Será que todo carro projetado na Índia serve para o Brasil?
País tem sido base para criação de vários novos modelos, parte deles vendida por aqui, mas nem sempre o gosto do indiano tem coincidido com o do brasileiro
Houve um tempo em que o ‘paladar’ brasileiro por automóveis estava intrinsicamente ligado ao do europeu. Seja pelos hatches médios alemães, pelas minivans francesas ou os compactos italianos, lançar aqui um veículo pensado na Europa originalmente era quase uma tática comprovada para as marcas.
Mas os veículos europeus se sofisticaram, tornando-se inviáveis em países em desenvolvimento, ao passo que outros mercados, outrora insignificantes, passaram a ganhar espaço na estratégia global das montadoras. Em comum, esses países possuíam características mais próximas do Brasil, como um público que precisava de modelos mais acessíveis e simples, mas com algum espaço, para citar um perfil.
Um deles foi a Índia, segunda nação mais populosa do mundo e onde o mercado automobilístico explodiu, só (bem) atrás do fenômeno chinês, hoje onde se mais vendem veículos no planeta. Desde 2015, o país da Ásia emplaca mais carros novos do que o Brasil, afetado por uma longa crise econômica.
Não é por menos que muitos fabricantes têm decidido investir na Índia, priorizando esse mercado em seus planos. Daí veio o reflexo natural de replicar o que se faz para outros países, incluindo, adivinhem quem, o próprio Brasil.
EcoSport indiano
O panorama é bastante estranho à essa altura já que a indústria automobilística brasileira, em que pese não ter um representante genuinamente nacional (como ocorre na Índia), tem uma tradição e experiência muito maior.
Mas isso acabou sendo preterido por vários fatores que envolvem o alto custo de produção no Brasil, a desconexão de mercado com outros países e a burocracia que impede investimentos de longo prazo. Sem falar, é claro, numa demanda encolhida pelos fatos já citados.
Portanto, ficou mais barato desenvolver lá fora e replicar esses produtos aqui. Foi o que fez a Renault com o Kwid em 2015 quando introduziu o compacto na Índia. Já naquela época cogitava-se sua produção no Brasil para o lugar do Clio, um projeto europeu mas envelhecido.
O carrinho de fato foi lançado no país em 2017 e tem obtido vendas respeitáveis, reforçando a ligação Brasil-Índia. Ligação essa que fez a Ford ‘trair’ o Brasil e mostrar a segunda geração do EcoSport primeiro na Ásia em 2012.
Embora ainda desenvolvido pela área de projetos de Camaçari, o SUV contou com a participação de outras divisões na época. As vendas foram razoáveis a ponto de a Ford abandonar sua produção no Brasil neste ano. O modelo, no entanto, ainda é vendido em outros lugares.
A experiência fez a montadora repetir a dose com o Ka/Figo, outro que morreu em nosso país e permanece vivo na Índia.
Embora os casos de projetos indianos tenham surgido no início da década passada, foi nos últimos anos que esse processo se intensificou. Modelos como o novo Citroën compacto, o WR-V reestilizado e mais recentemente o Creta apareceram na Índia antes do que aqui, antecipando mudanças que muitas vezes acabam trazidas para nosso mercado.
Fracasso anunciado
Seria injusto dizer que um projeto concebido na Índia é inadequado ao Brasil. Mas os casos de modelos bem sucedidos não são assim tão numerosos. O caso mais emblemático foi o Etios, o compacto que a Toyota lançou na Ásia em 2010 e nacionalizou em 2012.
Apesar de algumas melhorias, o modelo deixou a desejar e só sobreviveu nas concessionárias porque a marca possui um prestígio elevado junto aos seus clientes. Se tivesse sido pensado para agradar o brasileiro, certamente o Etios teria obtido outro resultado.
Agora a dúvida reside na recepção do novo Creta, que a Hyundai lança nesta semana. O SUV compacto, que nunca foi um primor de design, ganhou uma atualização visual baseada no projeto introduzido primeiro na Índia, com toques da versão russa.
É um estilo difícil de digerir, como se pode ver em comentários de seguidores nas redes sociais. E surpreende por partir de uma marca que há 10 anos decidiu desenhar um carro ao gosto do brasileiro, o primeiro HB20, de enorme sucesso.
Planos globais
Vale lembra ainda que muitos projetos não são exatamente específicos de um país, dada a globalização, mas há muitos projetos hoje à venda no Brasil - e também a caminho - cuja gestão ocorreu longe daqui.
Para as montadoras, ter um produto padronizado mundialmente é uma benção – gasta-se menos em desenvolvimento e em adaptações, ampliando as margens de lucro. Mas acertar numa receita para agradar tanta gente não é fácil.
Nessas horas é importante o bom senso dos executivos para evitar um tiro n´água. A Toyota errou com o Etios, mas acertou com o Corolla Cross, cuja estreia se deu primeiro na Tailândia.
Quanto à Hyundai, talvez o risco com o Creta seja menor por se tratar de um SUV já conhecido do brasileiro. Mas ela não poderá lamentar se for criticada por colocar muito ‘curry’ na receita do seu novo modelo.
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