Rota 2030 entra em vigor, mas não espere por carros mais baratos
Novo programa de incentivo à indústria automobilística é melhor que o Inovar Auto, mas falha em não tornar preços dos automóveis mais acessíveis como em outros países
A negociação foi longa e quase fica para o próximo governo, mas o presidente Michel Temer enfim sancionou o Rota 2030, nova política automotiva que vigorará pelos próximos 15 anos em substituição ao Inovar Auto, encerrado meses atrás.
Para quem não sabe, o programa de incentivos visa a modernização da indústria automobilística e também preservar empregos no país pelo risco do sucateamento do parque industrial perante outros países produtores.
Assim como o Inovar Auto, também o Rota 2030 oferece incentivos fiscais para que as montadoras invistam no Brasil e exige mais eficiência energética nos modelos vendidos aqui, mas o novo plano é mais sensato ao também prever que os veículos recebam tecnologias que os tornem mais seguros e em linha com o que é feito em outros países produtores de veículos.
Só o fato de medir a eficiência energética por modelo e não pelo portfólio da marca (o que antes dava margem para manobras como vender carros híbridos por preços mais baixos para atingir uma média melhor) já mostra que o Rota 2030 é superior. Mas ele também evita absurdos do Inovar Auto como taxar veículos importados em 30 pontos percentuais extras de IPI, o que acabou julgado ilegal pela OMC, a Organização Mundial do Comércio, e também estimular a instalação de pseudo-fábricas no país que basicamente concluíam a montagem de carros produzidos no exterior.
Vale dizer também que enfim o Brasil “enxergou” os carros híbridos e elétricos. Se antes um modelo 100% elétrico (e que por isso não possui motor a combustão e consequentemente cilindros) pagava o mesmo que um Camaro V8 porque a legislação nunca imaginou essa possibilidade agora esse veículo se enquadrará em alíquotas mais baixas de IPI.
No entanto, assim como o Inovar Auto também o Rota 2030 é um programa focado em beneficiar diretamente a indústria e não necessariamente o consumidor. Sim, é verdade que hoje os carros estão mais eficientes e com isso mais econômicos, graças ao Inovar Auto. Além disso, a exigência de airbags e freios ABS acabou “limpando” o portfólio de algumas marcas que mantinham veículos obsoletos em linha como a famosa Kombi, mas é fato que o brasileiro ainda paga valores absurdos por um automóvel.
E continuará pagando porque nada obriga as montadoras a repassar esses ganhos de eficiência para o bolso do cliente. A razão é simples: com um apetite voraz por tributos o governo federal não admite perder arrecadação ao tentar incentivar que os veículos tenham preços mais realistas.
É esse erro que o Rota 2030 repete ao não criar um imposto regressivo para que haja mais produção e consequente redução no custo de produção e nos preços. Em vez disso, o mercado brasileiro permanece distorcido perante outros países. Compramos veículos compactos “inflados” para dar conta de levar uma família enquanto modelos populares no mundo aqui são considerados “premium”.
Nissan Sentra americano: nos EUA ele é carro de entrada,aqui, premium
Junte-se a isso o fato de o brasileiro médio ter um rendimento baixo e acabamos numa encruzilhada. Para que a indústria volte aos níveis de 2012, quando foram emplacados mais de 3,6 milhões de unidades, será preciso usar de um recurso traiçoeiro, o crédito mais acessível. Ou seja, o cliente que não pode comprar determinado modelo acabará dividindo seu preço em 60, 70 parcelas com juros escorchantes. Na prática, pagará a prazo por um carro de luxo e terá nas mãos um produto simplório e desvalorizado.
Resta saber se o Rota 2030 conseguirá de fato tornar nossos carros mais seguros e econômicos. Embora tenha havido avanços nessas áreas eles são tímidos porque partiram de referências ultrapassadas. Veja o caso do Onix, o veículo mais vendido do Brasil e que ainda usa um motor de 8 válvulas de conceito mais antigo. Pressionada a cumprir os requisitos do Inovar Auto quase no final do programa (até então a marca nem divulgava o consumo dele), a Chevrolet optou por melhorar a aerodinâmica, reduzir seu peso e altura do solo, além de pequenos aprimoramentos no propulsor, para torná-lo dentro da lei. Em suma, os padrões exigidos pelo governo eram facilmente conseguidos sem que fosse necessário evoluir para um motor moderno como o TSI que a Volkswagen trouxe ao Brasil.
Quanto à segurança, a situação é ainda mais grave. Justamente os carros mais populares no Brasil são os que têm piores notas nos testes de impacto do Latin NCAP, um sintoma do baixo investimento das montadoras que dizem (e com razão, diga-se de passagem) seguir os padrões exigidos pela legislação frouxa. Ou seja, o mesmo governo que cria o Rota 2030 é conivente com um número imenso de fatalidades no trânsito que poderiam ser evitadas com padrões mais elevados de segurança como resistência estrutural maior nas carrocerias ou a obrigatoriedade do uso do controle de estabilidade, por exemplo.
Por fim, falta ao Brasil uma política de exportação que não dependa apenas do câmbio. Embora tenha um parque industrial com capacidade para 5 milhões de veículos produzidos por ano, nosso país falha em encontrar mercados onde possa ser competititvo em parte porque muitos produtos feitos aqui acabam sendo específicos para o nosso consumidor além, é claro, do famoso custo-Brasil que dificulta qualquer planejamento nesse sentido.
A ironia é que nosso mercado continua a ser um dos maiores do mundo e o número de veículos proporcional à população, ainda muito baixo, uma prova que há espaço para crescer, mas desde que esses veículos sejam mais econômicos, limpos e sobretudo mais baratos.
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