Ricardo Meier

Comenta o mercado de vendas de automóveis e tendências sustentáveis

Por que os carros evoluem mais que nossos salários?

De geração em geração modelos crescem, ficam mais luxuosos e caros e dão lugar a novos automóveis no fim da fila

O episódio ocorreu em 2015 durante o lançamento da atual geração da picape Toyota Hilux. O executivo da marca, do qual não lembro o nome, afirmou durante a apresentação do veículo que estávamos diante “da melhor Hilux que a Toyota fez em sua história!”. E como não poderia ser diferente após 10 anos vendendo um veículo projetado no início dos anos 2000?

A declaração óbvia reforça um movimento natural da indústria automobilística (e de outros setores, obviamente) em transformar cada geração de um carro (quando ele muda por completo) num salto de qualidade, tecnologia, porte e, claro, preço. O problema é que um celular de 10 anos de idade não é mais capaz de fazer o que um modelo novo faz, algo que um carro decano consegue.

A desculpa para essa "evolução" veio de um diretor de uma marca importante: “os carros têm que evoluir junto com seus proprietários”. Ou seja, um camarada que, por exemplo, começou sua carreira na “firma” na década de 70 e comprou um Passat naquela época hoje deveria ter na garagem a 8ª geração, que custava por aqui quase R$ 165 mil no final de 2018.

O problema é que as pessoas se aposentam, necessariamente não mudam para Alemanha quando fica impossível trabalhar no Brasil e, embora ganhem experiência, não fazem de 0 a 100 km/h em menos tempo. Pois o belo Passat, sem dúvida, galgou degraus na empresa e hoje é o sedã mais luxuoso da Volkswagen.

Esse paradigma é ainda mais notório em nosso país, avesso a períodos de estabilidade. Entre altos e baixos nos vemos muitas vezes comprando carros inferiores e nem sempre mais baratos. Veja o caso dos mini-hatches vendidos por aqui.

A Fiat, que já revolucionou o mercado com o primeiro Uno, um carro “compacto por fora, gigante por dentro” (emprestando o slogan do Fox, acho), resolveu criar o Mobi, atual carro de entrada da marca e menor que o Uno. O pretexto? O agradar ao público jovem e urbano, mais desapegado aos bens materiais. Mas, peraí, qual é a importância de um automóvel para quem prefere andar de ônibus, metrô, bike ou skate?

 

Fiat Mobi 2017
Fiat Mobi 2017
Imagem: Divulgação

 

A Renault não fez muito diferente ao lançar aqui o Kwid. A diferença é que a marca francesa preferiu inflar as caixas de rodas e os para-lamas para dar um ar mais “SUV” ao carrinho e deixou o interior do carro com espaço para gente que não entra num rodízio de pizza há décadas.

Preço desses produtos? Mais de R$ 30 mil, valor que custava o grandão Sandero quatro anos atrás...cadê meu dissídio?!

Slogan obrigatório

Há que tentar compreender o funcionamento da cabeça de marqueteiros e do próprio público consumidor, é claro. Imagine como soaria o lançamento de uma nova geração de carro se ele encolhesse, perdesse equipamentos e ganhasse um motor mais fraco? “Este é o novo Acme Retroeitor, que está pior em sua nova geração!” Anda menos, tem menos itens, mas é mais barato. Certamente teria poucos interessados mesmo que custasse metade do preço do anterior. Afinal, quantos compram carro pensando no custo-benefício?

Aliás, exemplos de carros que fingiram ter evoluído não são poucos na indústria, assim como seu desempenho de vendas pífio. Para quem se lembra, a Peugeot cometeu um dos “erros do século” ao inventar um "206 e meio" que batizou de 207 no Brasil. A marca, que já andava se queimando com seu pós-venda ruim, acabou de jogar uma pá de cal em suas pretensões no país. Até hoje ela sofre para convencer gente a comprar seus novos carros, em geral realmente mais modernos. Agora, no entanto, vai ser preciso mais que bons slogans.

Dando adeus pra CLT

Mas o que fazer se meu carro favorito já não está mais ao alcance das minhas parcas economias? O jeito, meus caros, é olhar para o degrau debaixo. Lembram do Chevette? Pois ele virou Kadett e Astra aqui e na Europa. Para cobrir a lacuna deixada por ele surgiu o bem bolado Corsa na década de 90 e que também cresceu e ficou mais caro, saindo inclusive do alcance do brasileiro que ganhou o “rascunho” batizado de Celta, bem mais rudimentar mas mais barato de produzir. Ao menos o Onix, carro mais vendido do Brasil, dá um banho no ex-companheiro de linha de montagem em Gravataí...

 

Chevrolet Celta 2015
O Celta virou rascunho do Corsa
Imagem: Divulgação

 

Talvez o caminho ideal fosse uma evolução mais gradual e não disruptiva como ocorreu com alguns carros. Um pouco mais de espaço, um interior melhor desenhado, um motor mais eficiente, uma carroceria mais leve e segura. É o bastante para justificar um lançamento digno. Pena que essa receita nem sempre é seguida à risca ou pior, é feita em partes.

Nunca esqueço o caso de outro Volkswagen, o Jetta. A geração anterior veio ao país com duas propostas, uma autêntica e outra genérica. Para quem tinha dinheiro na conta bancária era possível levar um sedã médio com motor turbo com injeção direta, câmbio de dupla embreagem e suspensão independente nos dois eixos. Sensacional.

Já os não tão bem remunerados tinham como opção uma versão mais simples com suspensão por eixo de torção atrás, câmbio automático e motor 2.0 8V aspirado que virou piada nas redes sociais como oriundo do Santana. Exageros à parte, trata-se de um motor pouquíssimo eficiente mesmo, não há o que justificar.

Em outras palavras, nem sempre o que é novo é necessariamente bom. Quanto à frase do executivo citada no começo desse texto, falta combinar com os patrões aumentos salariais correspondentes aos preços praticados nos carros. Será que alguém topa? 

 

Volkswagen Jetta 2017
Volkswagen Jetta 2017
Imagem: Divulgação

 

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