Ricardo Meier

Comenta o mercado de vendas de automóveis e tendências sustentáveis

Por que os carros de origem europeia sumiram do Brasil?

Em 15 anos, mercado nacional deixou de se alinhar à Europa para comprar modelos globais e também projetos feitos sob medida para nosso país

Visitar um salão de automóveis na Europa 15 anos atrás era ver em primeira mão o que circularia nas ruas brasileiras tempos depois. Era natural que as marcas optassem por lançar no Brasil boa parte do que se vendia no Velho Continente.

Das quatro marcas mais antigas, duas são europeias e as outras duas, embora americanas, tinham uma forte base de desenvolvimento lá. E das “new comers”, as montadoras que desembarcaram no Brasil nos anos 90, boa parte era europeia como as francesas Renault, Peugeot e Citroën.

Mas era o paladar brasileiro que demonstrava afinidade com o gosto do europeu. Nessa época os dois consumidores amavam hatches, peruas e minivans. Esse cenário, no entanto, mudou profundamente de lá para cá e as razões são muitas.

Se em 2004 nada menos que 33 dos 50 modelos mais vendidos tinham sido projetados para a Europa e representavam o equivalente a metade do volume brasileiro, em 2019 eles são apenas dez carros que mal conseguem 14% das vendas.

Dentro dessa dezena estão modelos em fim de carreira como o Fox (nascido no Brasil mas feito para a Europa) e o Fiesta, que a Ford já desistiu de vender por aqui. Outros três, embora europeus, foram pensados para a porção leste do continente, a família Logan (incluindo o Sandero e o Duster). Os únicos projetos atuais são os dois Peugeot (208 e 2008), mas que vendem pouco, e a exceção à regra, o novo Polo, único entre eles a figurar entre 10 mais vendidos do país.

Situação completamente diferente há 15 anos quando nada menos que 20 dos 30 modelos mais vendidos (excluímos picapes e utilitários) eram projetos europeus em sua essência. Na lista dos 10 mais estavam o Corsa, Uno (o primeiro), Fiesta e Fox além de modelos bem colocados como o Peugeot 206 (11º), Renault Clio (15º), Ford Ka (16º). Meriva (18º) e Astra (19º e 20º nas versões sedan e hatch).

Desde então, o Brasil se descolou da Europa e um dos motivos é que ficou caro demais produzir automóveis pensados para os exigentes consumidores do Velho Continente. Com padrões mais elevados, os europeus começaram a se distanciar do restante do mundo. A exceção ficou por conta dos modelos de luxo alemães que se espalharam por vários países. Como são produtos mais caros, acabaram se beneficiando de uma produção mais centralizada e da demanda global.

 

 

A 4ª geração do Focus chegou à Europa enquanto a 3ª se despediu do Brasil
A 4ª geração do Focus chegou à Europa enquanto a 3ª se despediu do Brasil
Imagem: Divulgação

 

 

Já os modelos básicos e médios simplesmente perderam o sentido por aqui. Carros como o Insignia e o Astra, da Opel, evoluíram tanto que chegaram a um patamar em que sua venda tornou-se inviável. Mesmo quem tentou seguir em frente como a Ford, teve que voltar atrás como no caso do Focus. Os franceses também sofreram com a rejeição aos seus produtos. Os compactos Clio e 207 ficaram proibitivos enquanto as minivans foram abandonados pelo público – isso sem falar nas belas peruas que quase desapareceram.

Até mesmo a Volkswagen, marca que sempre teve uma conexão maior com o Brasil desde o Fusca e a Kombi, de repente viu o bem sucedido Golf perder seu apelo de vendas. Antes disso, a montadora alemã até tentou conectar o Brasil e a Alemanha ao projetar o Fox por aqui e montar o Polo como se o brasileiro fosse consumi-lo aos montes. Em vez disso, o consumidor continuou fiel ao velho Gol.

Soluções caseiras

A sofisticação dos carros europeus só precipitou um movimento paralelo que já ocorria em 2004, o de pensar carros para os brasileiros, ignorando outros mercados. A Volkswagen fazia isso com o próprio Gol há tempos no que foi seguida pela Chevrolet com o Celta, um produto inferior ao Corsa, mas mais simples e barato de produzir.

Até a Fiat que teve a ousadia de trazer o revolucionário Uno para o Brasil em 1984 decidiu substituí-lo com um produto pseudo-europeu, o Palio. Embora projetado em parceria com a Itália, o compacto só vingou na América do Sul, ignorado em seu país natal – que preferia o mais bem acabado Punto.

Mesmo quando tentou repetir algumas fórmulas europeias em Betim, a Fiat teve que construir esses carros sobre plataformas mais antigas e baratas como ocorreu com o Punto, Linea e Idea. Logo ficou claro que o brasileiro não estava atrás de Bravos ou Doblòs e sim produtos com a sua cara. Só muito depois a montadora voltou à receita do “bolo caseiro” com o novo Uno, o Mobi e Argo e Cronos.

E foi com uma solução sob medida que a Hyundai tornou o HB20 o segundo carro mais vendido do Brasil nos últimos anos.

 

 

Fiat Tipo vendido na Europa: montadora já optou por receita brasileira em seus carros
Fiat Tipo vendido na Europa: montadora já optou por receita brasileira em seus carros
Imagem: Divulgação

 

 

Projetos globais

Mas se não compra mais carros como os europeus, o brasileiro compartilha seu gosto com outros países. Há casos de modelos globais que fazem sucesso por aqui como os japoneses Corolla, Civic e HR-V, mas na maior parte dos casos o que se vê são carros originados na Índia, Rússia e sobretudo a China, onde o recente Salão de Xangai foi um palco de inúmeras novidades que chegarão ao Brasil.

Sim, esqueça os salões de Paris, Frankfurt e Genebra e seus carros elétricos e urbanos, o futuro dos carros brasileiros está do outro lado do mundo hoje. É de lá que vieram carros como o Kwid, o Creta e até o Ka. E da China teremos o Onix Sedan, o Tracker e o sucessor do Creta, entre outros.

Assim como nós, esses países têm mercados imensos e potenciais consumidores que ainda almejam seu primeiro carro.

Mas é isso mesmo? O brasileiro tem o mesmo paladar de chineses, indianos e tailandeses, por exemplo? Não exatamente. Há sim muito em comum, mas não pense que basta projetar um mesmo produto e achar que todos vão comprá-lo de olhos fechados. A Toyota fez isso com o Etios e se deu mal por ignorar as peculiaridades do nosso mercado. Com o Yaris, a situação foi diferente, sinal que ela respeitou as diferenças.

Uma coisa, no entanto, é certa. Nem mesmo os europeus hoje consomem apenas seus próprios produtos. Para ter escala é preciso agradar mais do que seus clientes de casa. Talvez seja mais fácil no futuro ver carros globais rodando pela França, Alemanha e Inglaterra do que voltar a ter produtos da Europa voltando a ser relevantes no Brasil.

 

 

O Clio de nova geração: Renault até cogitou vendê-lo no Brasil, mas câmbio não ajuda
O Clio de nova geração: Renault até cogitou vendê-lo no Brasil, mas câmbio não ajuda
Imagem: Divulgação

 

 

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