Por que a crise dos semicondutores afeta tanto os carros modernos?
Componente é praticamente indispensável nos modelos com projetos recentes e criou um gargalo na indústria
Além do custo humanitário que cobrou ao ceifar vidas ao redor do mundo, a pandemia da Covid-19 também causou um profundo colapso na economia em escala global. As restrições de circulação e o isolamento social para conter o avanço da doença motivaram o fechamento do comércio por longos períodos de tempo, levando também a indústria a fechar suas fábricas e suspender boa parte de suas atividades.
Graças ao importante surgimento das vacinas, a economia de muitos países voltou a operar de maneira robusta, contudo em um ritmo muito mais acelerado do que o setor produtivo mostrou-se capaz de acompanhar.
Como a cadeia de fornecedores necessita de tempo para retomar seus volumes de produção pré-pandemia, vivemos atualmente um fenômeno peculiar em alguns segmentos, no caso a escassez de insumos e componentes, com destaque para os semicondutores. Você já deve ter ouvido falar recentemente em como isso está impactando o cenário automotivo, resultando na falta de veículos novos nas lojas, aumento de preços, entre outras consequências. Mas por que os semicondutores são tão disputados e como a falta desse componente está relacionada com os carros mais modernos?
Um dado interessante revelado pela GM permite colocar em perspectiva o tamanho do problema. Um Chevrolet Onix, por exemplo, pode ter aproximadamente 1.000 semicondutores e sistemas integrados em sua arquitetura elétrica. O componente em questão é vital para que diversos recursos mais avançados que o compacto oferece possam funcionar, como é caso da central multimídia. O aparelho presente nas versões mais caras do Onix oferece projeção de smartphones sem fio e Wi-Fi nativo, conteúdos que demandam uma estrutura técnica mais sofisticada.
Segundo a fabricante norte-americana, os semicondutores são demandados em grande parte pelos sistemas avançados de segurança, como os controle de tração e estabilidade e assistentes de condução, além dos sistemas de conforto e conveniência, cada um deles respondendo por 30% da aplicação de semicondutores no caso do Onix. Outros 25% dos semicondutores em um veículo ficam por conta de sistemas de conectividade, enquanto 15% são aplicados no conjunto motor e câmbio.
“Sem dúvida existe muita eletrônica também por trás de assistentes com determinado grau de autonomia, como o assistente automático de estacionamento, que faz o volante girar sozinho conforme a instrução de sensores pela carroceria. Vale ressaltar ainda que é necessária muita tecnologia para integrar o sistema de propulsão”, explica Plinio Cabral Jr., líder de engenharia elétrica da GM América do Sul.
Demanda simultânea
Como você já deve ter notado, se os semicondutores (também conhecidos como microchips ou apenas chips) estão presentes na central multimídia de um automóvel, é fato que eles também são amplamente consumidos pela indústria de eletroeletrônicos, com destacada aplicação em smartphones, computadores, entre outros itens.
“É sabido que a pandemia está provocando grandes disrupções. Uma delas é a expansão de atividades remotas, que fez crescer a procura por produtos eletrônicos. Outro fenômeno é o fato de que muitos estão preferindo se deslocar em veículos particulares, o que também causou aumento na procura por automóveis. O fato é que a grande demanda simultânea por todos esses produtos tem gerado gargalos na cadeia de fornecimento global de componentes, como os semicondutores”, destaca a GM América do Sul em comunicado recente.
Por contar com cerca de duas vezes mais semicondutores do que um rival da mesma categoria, atualmente a Chevrolet não teve opção a não ser suspender temporariamente a produção do Onix e do Onix Plus enquanto o fornecimento dos semicondutores não estiver reestabelecido de maneira mais regular. Há seis anos consecutivos o carro mais vendido do Brasil, atualmente o Chevrolet Onix ainda se mantém na vice-liderança de mercado no acumulado do ano, com a Fiat Strada liderando os emplacamentos no Brasil.
A previsão é que a partir de julho a produção dos dois modelos poderá ser retomada. Enquanto isso, a GM reitera que não vai abrir mão dos recursos de tecnologia oferecidos pela dupla como uma forma de acelerar a retomada da produção.
"Foi agregando tecnologias inovadoras que a marca Chevrolet transformou seus veículos em referência em segurança, conforto, conectividade e performance. Não vamos deixar de oferecer aquilo que nossos clientes mais valorizam em um automóvel nem focar em versões básicas em razão da escassez momentânea de suprimentos, mesmo que isso impacte temporariamente nossa produção", anuncia Carlos Zarlenga, presidente da GM América do Sul.
Atualmente o Onix e o Onix Plus destacam-se no segmento de compactos ao ofertarem recursos como o assistente de estacionamento, monitoramento de pontos cegos, Wi-Fi nativo, entre outros. No segmento, a dupla Hyundai HB20 e HB20S também estreou em sua geração mais recente recursos como o alerta de colisão com frenagem autônoma, aviso de saída involuntária de faixa, entre outros.
Recuperação do setor pode demorar
Com poucos automóveis em estoque, a inflação elevada sobre o preço de matérias-primas e paralisações frequentes de algumas linhas de produção, o setor de carros novos está registrando aumentos constantes de preços e longas filas de espera por alguns modelos, em especial os mais completos.
Segundo dados da alemã Bosch, empresa especializada na produção de microchips, em 2016 cada veículo novo produzido no mundo tinha em média mais de nove chips fornecidos pela empresa em dispositivos como a unidade de controle do airbag, o sistema de freios e o sistema de assistência a estacionamento. Em 2019, esse número já era superior a 17. Em outras palavras, seu número quase dobrou em pouco anos. Nos próximos anos, os especialistas esperam ver um crescimento ainda maior do uso de microchips na medida em que sistemas de assistência ao motorista tornam-se mais avançados, as plataformas de infoentretenimento fiquem ainda mais completas e a eletrificação dos sistemas de propulsão chegue a mais veículos.
No caso específico dos semicondutores utilizados em automóveis, sua fabricação é ainda mais complexa e demanda cuidados especiais. “Os chips para veículos são a disciplina definitiva em tecnologia de semicondutores. Isso ocorre porque, nos carros, esses pequenos blocos de construção precisam ser especialmente robustos. Ao longo da vida útil de um veículo, os chips são expostos a fortes vibrações e temperaturas extremas, que variam de muito abaixo do ponto de congelamento até muito acima do ponto de ebulição da água. Em outras palavras, os chips precisam atender a padrões mais elevados de confiabilidade. Isso significa que o desenvolvimento de semicondutores automotivos é mais complexo do que em outras aplicações e requer conhecimento especializado”, detalha Harald Kroeger, executivo da sistemista alemã.
Em um horizonte realista, a consultoria Roland Berger prevê que a atual escassez de microchips siga além de 2021. “O desequilíbrio estrutural de oferta e demanda permanecerá. A demanda continuará crescendo e contrastando com o tempo de 6 a 12 meses necessários para que a capacidade global de fornecimento do componente seja ampliada. Provavelmente a atual demanda não vai ser atendida no curto prazo”, declara a empresa em um relatório recente.
“Espera-se que a indústria de semicondutores continue a se consolidar, levando a uma dependência de menos fornecedores e instalações de manufatura por um lado, bem como por um cenário mais simplificado de fornecedores simplificado. Esses e outros temas devem ser incorporados ao planejamento de longo prazo das empresas”, acrescenta a Roland Berger.
A AlixPartners, por sua vez, revelou estimativa de um prejuízo para a indústria automotiva global da ordem de US$ 110 bilhões neste ano por conta da falta de microchips. Segundo a consultoria, aproximadamente 3,9 milhões de veículos podem deixar de ser produzidos devido à escassez dos semicondutores.