Novo Cerato, o carro certo na hora errada
Kia enfim corrige erro de anos ao insistir em motor 1.6, mas é tarde demais para tentar disputar o mercado de sedans
Se uma marca pode receber a pecha de azarada no Brasil ela se chama Kia Motors. A fabricante sul-coreana é uma eterna promessa em nosso mercado e sempre que ensaiou algum crescimento acabou pagando caro, muitas vezes por culpa dos outros.
O que não exime a matriz e o representante brasileiro, o grupo Gandini, de serem parte culpados pelo fato de a Kia ser tão subestimada no Brasil. Seus carros estão entre os mais atraentes no mundo, após o toque mágico do designer alemão Peter Schreyer ter mudado o estilo da água para o vinho.
Mas a Kia paga caro por ser parte do grupo Hyundai, ou seja, está sempre na sombra da irmã rival. Quer um exemplo? Quem saiu na frente do mercado de SUVs foi a Kia com o Sportage, mas quando ele ganhou uma segunda geração, com carroceria monobloco, a Hyundai foi privilegiada com o Tucson, produto que usava a mesma plataforma.
Embora muitas vezes tenha produtos mais interessantes que a Hyundai, eles não têm a mesma dimensão global, a despeito de a Kia ter fábricas na Europa, Estados Unidos e, mais recentemente, no México. Mas sua irmã e dona vendeu em agosto mais de 360 mil veículos mundo afora contra cerca de 160 mil da Kia.
No Brasil, a disparidade entre as duas marcas é maior ainda. Enquanto a Kia somou 6,3 mil emplacamentos a Hyundai acumula quase 140 mil unidades vendidas. É verdade que essa diferença é explicada pela família HB20 e o Creta, fabricados na unidade de Piracicaba, algo que a Kia não possui, mas a situação poderia ser menos desequilibrada.
Um dos motivos para isso é um imbróglio jurídico nunca claramente explicado, as dívidas da finada montadora Asia com o governo federal. Para quem não se lembra, a fabricante sul-coreana aproveitou-se de isenção de impostos para vender veículos importados décadas atrás desde que montasse uma fábrica no Brasil.
A unidade brasileira, no entanto, nunca saiu do papel e nesse meio tempo a Asia foi à lona, sendo adquirida na Coreia pela Kia. Mais tarde, a Hyundai acabou assumindo a Kia, mas o ônus da dívida com o governo federal permaneceu com a segunda.
Com essa insegurança jurídica no Brasil, os coreanos nunca se atreveram a transformar a Kia numa “montadora nacional”, o que foi extremamente danoso nos tempos do IPI extra e do plano Inovar-Auto que praticamente impediu que veículos importados fossem vendidos de forma competitiva em nosso mercado.
Anos dourados duraram pouco
Na época em que barrou os importados, o governo e a Anfavea (associação das montadoras nacionais) miravam os chineses, sobretudo a JAC, mas quem foi atingida foi a Kia que viu suas vendas caírem de 77 mil unidades em 2011 para menos de 8,5 mil carros em 2018, fruto também da crise financeira e do dólar valorizado.
Em seu melhor ano, a Kia vendia muitos Soul, o “carro inteligente”, e o Cerato, sedan que na sua segunda geração acertou a receita ao ser um médio acessível e econômico, capaz de preencher a lacuna entre os compactos e os mais caros Civic e Corolla.
Pois o mesmo Cerato, duas gerações mais tarde, acaba de desembarcar no Brasil. Agora produzido no México, país no qual não há cobrança de imposto de importação, o sedan médio enfim adotou o motor flex 2.0, mais em linha com o desempenho que se espera desse tipo de carro.
A ironia é que neste momento o mercado de sedans médios está estagnado e com viés de baixa. Acossado pelos SUVs, Corolla, Civic, Cruze e cia andam perdendo espaço na preferência do consumidor, daí que parece um contrassenso a Kia resolver disputar esse nicho justamente agora quando aposentou o fraco motor 1.6 aspirado que oferecia até então.
A opção pelo Cerato como um dos seus produtos no Brasil é um tanto estranha quando a Kia possui modelos mais interessantes e com potencial de agradar os clientes por aqui. Um deles se chama Seltos, um SUV compacto que tem sido bem aceito em outros mercados onde estreou há poucos meses.
José Luiz Gandini, presidente da Kia, admitiu que um utilitário esportivo menor que o Sportage está na mira, mas não confirmou o Seltos,. Em vez disso, irá importar o Niro, um crossover que sofre da mesma “deficiência” do Toyota CH-R: é um veículo baixo e feito para o consumidor europeu.
A lista de promessas não cumpridas pela Kia no Brasil também tem pesado contra a empresa. O compacto Rio, por exemplo, é anunciado há anos, mas nunca é lançado e se um dia chegar pode ser em um momento inapropriado. Em compensação, a marca trouxe modelos que pouco tinham a acrescentar no portfólio como os sedans de luxo Cadenza e, mais recentemente, o Stinger.
Culpar o dólar, a conjuntura, o governo federal ou o “Custo Brasil” seria válido se a regra não atingisse outras marcas que hoje vendem bem mais. Atualmente, o Brasil representa cerca de 0,5% de participação nas vendas globais da Kia, algo infinitamente menor do que o potencial da marca em nosso país. E, pelo jeito, esse panorama não deve mudar tão cedo. Uma pena, sem dúvida.
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