Morte do Kia Picanto confirma que brasileiro não gosta de carro pequeno
Subcompactos teimam em fracassar no Brasil, a despeito da insistência de algumas marcas
Pode parecer sobretudo uma questão de status à primeira vista, mas o fracasso dos carros subcompactos no Brasil tem também a ver com a necessidade básica do consumidor em relação ao seu dia a dia. O mais novo integrante dessa lista de rejeitados é o Picanto, da Kia.
O menor modelo da marca sul-coreana já era apenas figurativo em seu portfólio há tempos, mas a Kia resolveu importar um lote extra da versão GT, com caráter esportivo, na tentativa de encontrar algum interessado. Não funcionou e o jeito foi sacá-lo indefinidamente.
Lançado no Brasil em 2006, o Picanto foi uma forma de a Kia participar do segmento de entrada. Mas curiosamente o hatch subcompacto primeiro foi vendido com motor 1.1 litro, ou seja, não se qualificava a pagar a menor alíquota de IPI dos populares na época. Não demorou para a montadora corrigir essa mancada com um motor 1.0 mesmo perdendo parte do seu desempenho.
Com bom acabamento e itens que em carros nacionais eram apenas uma vaga lembrança, o Picanto viveu seu auge em 2010 quando quase 9,5 mil unidades foram emplacadas. No ano seguinte, o cerco aos importados começou a ser fechado pelo governo brasileiro e o Picanto desceu a ladeira: em 2014 apenas 1,8 mil carros foram vendidos. No total, a Kia trouxe 42 mil unidades nesse período.
Hoje, com a mudança de paladar do brasileiro, os populares e sobretudo os carros urbanos perderam o sentido. E aí está talvez a maior explicação para que o Picanto tenha dado adeus. Sem condições de pagar por um carro médio, o consumidor só tem como saída buscar os compactos mais espaçosos e equipados afinal não são muitos que podem ter mais de um carro na garagem.
Desde 2006, Kia Picanto acumulou 42 mil unidades vendidas no Brasil
Raras exceções
Esse cenário é lamentável porque os modelos urbanos são uma saída interessante para as grandes cidades. Com dimensões mais enxutas e bastante econômicos, eles fazem mais sentido nos deslocamentos diários ao trabalho, por exemplo. Na Europa eles se proliferam nas ruas.
Claro que uma dose extra de status entra na conta. O brasileiro continua comprando seu carro pensando na imagem que quer passar para o seu vizinho. Mas o problema dos pequenos veículos é também custar muito pelo que oferecem.
O próprio Picanto nunca foi um carro tão acessível, mas ele não está sozinho. A Volkswagen nunca deu o braço a torcer ao up! a ponto dele custar pouco. Não deu outra: embora seja tecnicamente impecável, o carrinho não embala. A Fiat até faz o Mobi ter vendas respeitáveis, mas para isso sacrificou o melhor e maior Uno. Azar do consumidor que paga caro por um produto inferior.
Incrível é que mesmo com essa natural rejeição aos subcompactos, várias marcas tentaram seguir por esse caminho, incluindo o segmento premium. A Mercedes-Benz achou que o Smart, de dois lugares, seria uma boa escolha mesmo custando quase o preço de um Corolla e a Audi parecia que tinha criado o carro perfeito para o Brasil, o A1, mas o pequenino geralmente vendia menos que o A3.
Lá atrás tivemos outros casos curiosos como o Twingo, um subcompacto com espaço acima da média, o Atos, um Hyundai muito “coreano” com suas rodas minúsculas, e até Daihatsus, os carrinhos da Toyota, que passaram por aqui quase em branco literalmente.
Mas há exceções sim. Surpreendentes até certo ponto. A primeira delas é o Ka, o original de 1996. A Ford foi ousada naqueles tempos ao produzir um carro com quatro lugares, porta-malas com espaço exíguo e um estilo tão futurista que parecia saído de um filme de ficção científica. Mas não é que ele teve uma carreira respeitável? Claro que em dado momento suas limitações ficaram evidentes e a Ford precisou esticá-lo dentro do possível. Infelizmente, seus pontos fortes, a dirigibilidade e o acabamento sem perderam após essa mexida. Hoje o Ka é um carro maior, bem ao estilo necessário para vingar por aqui.
A outra exceção é Kwid. O Renault é hoje um dos menores automóveis do mercado, juntamente com o Mobi, o up! e o CAOA Chery QQ (outro que quando estreou era quase um carro de brinquedo de tão pequeno). Mas o Kwid vende muito bem, em que pese a participação importante dos “esportivos” das companhias telefônicas e suas escadas no teto.
A sacada da Renault foi tão brilhante quanto óbvia, dar um ar de “jipinho” ao pequenino. Foi o bastante para a rejeição ao seu espaço interno diminuto não ser notada. Fica a dica para a Kia com o próximo Picanto.
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