Honda HR-V mira em SUVs maiores que o EcoSport
Com estratégia direcionada a versões que custam acima de R$ 80 mil, novo jipinho da Honda quer ocupar nicho entre os compactos e médios como o ix35, Sportage e ASX
"É a lógica do pacote de pipoca". O exemplo veio de um colega jornalista, ao tentarmos entender porque a Honda diz que venderá 90% dos HR-V nas versões mais caras. Segundo essa teoria, a embalagem menor pouco mais barata só existe para acharmos que a grande vale a pena ser comprada.
De certa forma, é o que acontece com o inédito jipinho que a Honda começa a vender no Brasil no próximo dia 20. Existem versões de R$ 70 mil, mas com tantos itens retirados que o cliente se vê impulsionado a gastar ao menos R$ 82 mil, caso escolha uma pintura metálica. Ou seja, o HR-V não é rival natural do EcoSport, como se imaginava. O pioneiro SUV da Ford até possui versões tão caras quanto o Honda, mas vende mesmo os modelos na faixa de R$ 70 mil.
Mas a pergunta que não quer calar é: o HR-V vale tudo isso? Se colocado na realidade brasileira, onde não existem carros baratos, sim, o jipinho da Honda está mesmo num patamar acima do EcoSport. A verdade é que, com exceção do mexicano Tracker, os dois jipinhos mais vendidos no país, o Duster e o próprio EcoSport, vêm de bases muitos simples, o Fiesta e o Logan. O resultado é que exibem acabamento inferior pelo que custam, quando não alguns equipamentos ruins.
É aí que o HR-V se descola desses SUVs com porte semelhante. Aliás, o Honda também se distancia do Fit, do qual deriva. Se o câmbio CVT e alguns itens como ar-condicionado, painel de instrumentos e sistema ULT são herdados do monovolume, o motor é do Civic LXS, o 1.8 i-VTEC que inverteu a potência – tem 139 cv com etanol e 140 cv com gasolina.
O acabamento é bem superior ao do Fit e de seus rivais no papel. Tudo isso para justificar uma tabela de preços que faz dele tão caro quanto um Civic, carro que deve sofrer mais com a canibalização interna, segundo o diretor de vendas da Honda, Sérgio Bessa.
Síntese do carro para brasileiro
A certeza da Honda no sucesso é tamanha que a expectativa é vender 50 mil unidades em 2015, mesmo com o mercado em queda. E há como acreditar nisso. O HR-V é um veículo de projeto inspirado como eu não via na marca desde o ‘New Civic’, em 2006.
Desde o estilo exterior até algumas soluções internas, percebe-se que a Honda buscou criar um automóvel versátil e que sintetizasse várias necessidades do consumidor, sobretudo de mercados emergentes como o Brasil.
A carroceria, por exemplo, é encorpada, cheia de frisos, mas com uma caída no teto que lembra um cupê – até maçaneta embutida, como um Alfa Romeo 147, ele tem. O toque off-road vem nas rodas aro 17 polegadas, imensas perto do carro. Nem o Renegade se destaca nesse quesito. Mas claro, o HR-V nem ousa pisar na terra. Desde o princípio foi pensado como um carro urbano.
Tão urbano que no interior você encontra a mesma versatilidade do Fit, com direito ao sistema ULT, aquele que permite rebatimentos de bancos e outras funções e fazem dele um pau para toda obra. A concepção interna, com tanque central, abriu espaço extra no cockpit e no porta-malas (com 431 litros) para fazer dele um incômodo para SUVs maiores como o ix35 e o ASX.
A versatilidade não está apenas na aparência híbrida. O HR-V oferece uma posição de dirigir precisa, quando parece que o próprio carro se adapta a você e não o contrário. O painel de instrumentos, voltado para o motorista, lembra o do Civic nesse aspecto.
Câmbio CVT amarrado
A surpresa ao sentar no banco do motorista do HR-V é notar que o revestimento das portas, painel e bancos é de boa qualidade, com uso de tecidos, couro e plásticos de toque agradável, bem diferente do atual Fit, por exemplo.
A melhor parte do interior vem do console central ‘flutuante’. É nessas sacadas que o HR-V lembra o New Civic. A Honda optou por elevar a base da manopla de câmbio e equipou todas as versões com freio de estacionamento elétrico. Isso permitiu um aproveitamento muito bom nesse espaço, com porta-objetos, apoio de braço, dois imensos porta-copos e a novidade, um subconsole escondido abaixo do câmbio onde estão a tomada 12V, entradas USB (2) e HDMI. De quebra, o espaço serve para deixar algum pertence de valor sem expô-lo desnecessariamente.
Dou a partida no HR-V e noto um anel branco em volta do velocímetro. É um recurso visual que revela se nossa tocada é gastona ou não – colorido é bom, branco significa gasto excessivo. Puxamos a bela manopla para a posição D, o freio elétrico se desliga e logo percebemos uma direção firme, porém, leve, que aumenta a sensação de confiança.
Logo, na estrada, fica clara a preocupação com o isolamento acústico do HR-V. Poucos ruídos entram no cockpit, mesmo em rotações altas. O HR-V também surpreende pela suspensão firme e estável em curvas que nos fazem esquecer a carroceria alta.
O calcanhar de Aquiles ficou mesmo na transmissão CVT. Embora a Honda diga que ela é mais ágil nas respostas que antigos CVT e mesmo câmbios automáticos, a impressão é que ela amarrou o desempenho do motor 1.8. Em retomadas, há uma certa lentidão nas respostas. E mais: se você não levar a versão EXL , que traz borboletas e sete marchas virtuais, ficará à mercê das decisões do carro em elevar ou reduzir as rotações. Compensa, no entanto, o fato de o HR-V ter se saído bem no Inmetro. Na tabela de eficiência energética, o Honda tirou nota A, coisa rara nesse segmento.
Desestímulo a comprar versões básicas
Andar no HR-V EXL é encontrar praticamente tudo que se espera de um carro de R$ 80 mil a R$ 90 mil. Faltam alguns mimos como ar dual zone (é digital mas de uma zona apenas), partida elétrica, keyless ou teto-solar, mas outros equipamentos compensam em parte isso. É o caso da central multimídia que a Honda chama de multi-toque por ter uma interface semelhante à de um smartphone. Ou dos difusores de ar do passageiro, que oferecem três níveis de ventilação, uma ideia bem bolada.
O problema todo está nos pacotes. Para ter tudo isso paga-se quase o valor de um SUV maior. Se você quiser gastar menos vai perder vários itens um tanto que obrigatórios num carro desse valor. A versão LX, por exemplo, custa R$ 75.400 na versão CVT. Por R$ 13 mil a menos você deixa de levar faróis de neblina, cruise-control, paddle-shifts, bancos de couro, ar-digital, volante em couro, repetidor de direção no retrovisor e rack de teto.
A mais grave ausência é mesmo a central multimídia que no LX é trocada por um rádio bem simples que ‘sobra’ no imenso espaço reservado para a tela de 7 polegadas.
Para compensar, o HR-V traz controle de tração e estabilidade de série em todos os modelos. Com ele, vêm no pacote outros dois recursos bacanas, o Hill Start Assist, que mantém o carro freado por dois segundos em subidas, e o Brake Hold, que ao ser acionado, freia o HR-V em paradas, dispensando que o motorista precise manter o pedal de freio apertado em semáforos, por exemplo.
Vítimas em todas as partes
A chegada do HR-V ao mercado brasileiro deve causar danos em várias marcas e modelos. O SUV se presta ao papel de carro de família, sedã ou mesmo hatch. Isso significa atrair uma parcela de donos de vários modelos como o Focus, Corolla, ix35 e mesmo o Civic, Fit e City. É claro que a realidade será mais complexa após a chegada de concorrentes diretos como o Peugeot 2008 e, sobretudo, do Renegade, da Jeep, que desembarca nas lojas no dia 10 de abril. Mas a Honda conta com a imagem consagrada da marca e uma cartela de clientes fieis que deve garantir boa parte do volume de produção, mesmo com a crise batendo em nossas portas.