Fusão Renault-FCA: se concretizada, ela pode ser benéfica para o Brasil
Fabricantes apostam cada vez mais em parcerias para diluir custos e avançar com projetos de mobilidade
No mundo dos negócios e no universo automotivo, uma das notícias que causou alvoroço nesta semana foi o anúncio público por parte da Fiat Chrysler de que está costurando uma possível fusão com o Grupo Renault.
Indo um pouco além do acordo bilionário entre as duas empresas, que pode resultar no terceiro maior conglomerado automotivo do mundo, com vendas na casa de 8,7 milhões de veículos ao ano, a negociação entre as fabricantes escancara uma forte tendência vivida pelas fabricantes. Estamos falando da busca cada vez maior por parcerias e alianças que ajudem as montadoras a operar de uma forma sustentável em um ambiente cada vez mais desafiador. Hoje as marcas estão longe de ter que pensar apenas no carro em si e precisam estar preparadas para trabalhar com as novas tecnologias de propulsão, os futuros serviços de mobilidade e até mesmo a nova relação entre o público e os automóveis em uma sociedade onde a economia compartilhada ganha cada vez mais força. Em resumo, até mesmo o papel que o carro vai desempenhar na locomoção pelas cidades é algo muito debatido hoje em dia.
“Eu diria que o tom hoje não só para a FCA e a Renault, mas para todas as empresas atuantes no setor automotivo mundial é o aumento de competitividade. O setor automotivo passa por mudanças significativas em termos de atuação como um todo. A primeira delas é que o foco no produto deixa de prevalecer para contemplar também o foco em serviços. Estamos falando de serviços voltados para um ambiente totalmente digital, que exige uma cultura de profissionais atuantes muito diferentes daqueles que habitam o setor automotivo como um todo”, explica Antonio Jorge Martins, coordenador do MBA em Gestão Estratégica de Empresas da Cadeia Automotiva da FGV.
“Então tudo isso consome um volume de recursos das montadoras bem maior do que elas dispunham há alguns anos, ou seja, o nível de risco dado pelos acionistas e investidores está aumentando, o que requer um retorno maior para esses investimentos. Nessa direção, é preciso promover fusões, associações, alianças, além da compra e venda de empresas para adequar as fabricantes a uma nova realidade”, complementa o professor da FGV.
Partindo especificamente para a ideia de fusão entre a Fiat Chrysler e o Grupo Renault – que, em um primeiro momento, não engloba a aliança Renault-Nissan-Mitsubishi como um todo – os especialistas apontam que a companhia ítalo-americana tomou a dianteira nas negociações exatamente para ganhar fôlego no desenvolvimento de novos projetos.
“A FCA tem uma grande necessidade de estar presente no mercado e cobrir todos esses movimentos disruptivos, como carros autônomos, elétricos e híbridos, além de investimentos em mobilidade, etc. A consolidação de duas empresas como a FCA e a Renault ao longo da história é algo que vêm acontecendo. Essa busca visa atingir objetivos que estão atrelados a grandes desafios. O primeiro objetivo é a redução de custos na estrutura de gestão da empresa. O segundo, falando de um horizonte de cinco anos, diz respeito ao desenvolvimento de veículos em comum, envolvendo plataformas, tecnologias e o ganho em escala”, pondera Paulo Cardamone, da Bright Consulting, empresa de consultoria que atua na área automotiva.
Um ponto que precisa ser clarificado por parte da FCA e do Grupo Renault diz respeito à aliança entre a marca francesa com as japonesas Nissan e Mitsubishi. “Ainda é difícil entender se a fusão envolve apenas a FCA e a Renault, não colocando a Nissan na conversa, porque, do mesmo jeito que toma uma decisão para ter uma vantagem competitiva futura, a Renault criaria um problema sério de desconfiguração da aliança que ela tem hoje. Se reunir todas as marcas (FCA, Renault, Nissan e Mitsubishi), o acordo resultaria, de longe, na maior montadora do mundo”, detalha Cardamone. Ainda segundo o especialista, para a Renault uma forte vantagem de uma eventual união com a FCA seria o acesso ao mercado dos Estados Unidos. “Não que ela vá para lá com carros Renault, mas, como o mundo passará por uma grande transformação, é importante ter acesso a novos mercados”.
Como é possível perceber até aqui, os acordos e parcerias entre as grandes fabricantes globais devem crescer cada vez mais, porém, como algumas notícias recentes apontam, seguir por essa trilha é algo que exige atenção por parte das empresas principalmente na hora de implementar esse acordos. “Consolidar duas empresas muito grandes não é algo simples. É difícil você fazer isso sem fechar fábrica, é difícil você fazer isso sem integrar a parte de powertrain. Como fazer a gestão da marca? E da rede de distribuição? Esses são alguns dos desafios que estão ligados a uma fusão desse porte”, diz o especialista da Bright Consulting.
Em seu comunicado oficial ao mercado, a Fiat Chrysler adiantou que “os benefícios da transação proposta com o Grupo Renault não estão baseados no fechamento de plantas, sendo alcançados por meio de investimentos mais eficientes de capital em plataformas globais de veículos, arquiteturas, powertrain e tecnologias comuns. A FCA tem um histórico de combinar com sucesso fabricantes de veículos de culturas distintas para criar times de liderança fortes e organizações dedicadas a um propósito único”.
Reflexos para o Brasil
Hoje em dia as marcas sob o controle da FCA, com destaque para a Fiat e a Jeep, contam com grande sucesso comercial, bem como a Renault também cativou um amplo número de clientes em uma linha fortemente baseada nos modelos de baixo custo projetados pela romena Dacia, estamos falando, no caso, do Sandero, Logan e Duster. Mais recentemente o Renault Kwid, outro projeto criado para custar pouco, também promoveu bons números de emplacamentos para a Renault por aqui. Mas, caso saia do papel, quais seriam os impactos de uma fusão entre FCA e Renault no Brasil?
“Eu vejo como benéfica para os dois lados essa busca por maior competitividade. Na medida em que ocorra um engajamento da Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi nessa associação, o novo grupo a ser constituído contaria com uma escala mais significativa do que aquela que poderia ser alcançada pelas marcas de forma independente. A questão de escala é importante para o setor automotivo, inclusive levando em conta a escala mundial das operações. Para o Brasil, se a FCA e a Renault se unirem elas seriam muito fortalecidas e poderiam até liderar o mercado automotivo nacional. Com mais fôlego financeiro e ganhos em escala, o Brasil, que conta com fábricas modernas das duas empresas, poderia até ser beneficiado com novos projetos, alguns até para exportação regional e internacional”, opina o professor Antonio Jorge Martins, da FGV.
Cardamone também segue o raciocínio do professor da FGV e vislumbra ganhos para Renault e FCA aqui no Brasil caso a proposta de fusão avance. “É uma fusão que faz muito sentido. Para a Renault, ter acesso a marcas como Jeep, Dodge e Ram é algo importante. Para a FCA, ter acesso ao desenvolvimento mais avançado de tecnologias de propulsão híbrida e elétrica que a Renault desenvolve é uma grande vantagem. Aqui no Brasil, se considerarmos uma junção entre entre FCA, Renault, Nissan e Mitsubishi, as empresas ganhariam consideravelmente em participação de mercado, mesmo tendo que promover mudanças no futuro em sua gama de produtos, marcas e rede de distribuição. Eu acho que elas teriam muito a ganhar”, conclui o executivo da Bright Consulting.
Ao combinar muitos interesses, ainda é cedo para afirmar se a fusão entre Renault e FCA – e até mesmo ampliando o escopo da proposta para as aliadas Nissan e Mitsubishi – sairá do papel. De qualquer forma, como explicaram os especialistas, parcerias estratégicas desse tipo serão cada vez mais comuns daqui para frente para que as fabricantes globais possam manter suas atividades de uma forma saudável financeiramente falando, desenvolvendo em paralelo tecnologias cada vez mais avançadas. Agora só nos resta acompanhar o desenlace das negociações.