Fechamento da fábrica da Mercedes no Brasil expõe insanidade do programa Inovar-Auto
Lançado no governo da presidente Dilma Rousseff, plano propôs incentivo à produção nacional de forma artificial
Era junho de 2016 quando a Jaguar Land Rover finalmente inaugurou sua fábrica em Itatiaia, no Rio de Janeiro, a última das marcas de luxo a fincar o pé no Brasil. Anunciada em 2013, a unidade era uma resposta ao programa Inovar-Auto, criado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para incentivar a produção nacional e assim gerar empregos no país. Mas a forma escolhida foi controversa: aumento de impostos e cotas para importadores a fim de obrigar as montadoras a investirem no país.
Graças a isso, as marcas premium Mercedes-Benz, Audi, BMW e Land Rover embarcaram na aventura de abrir linhas de montagem em território nacional, ignorando a natural baixa demanda que seus veículos têm no Brasil por conta dos preços mais altos praticados (e fruto em parte dos elevados impostos cobrados).
Como o Inovar-Auto não era um primor de legislação, foi possível construir ‘pseudo-fábricas’ capazes apenas de finalizar a montagem de veículos cuja maior parte dos componentes é produzida de fato no exterior. Era esse o cenário encontrado na unidade da JLR: uma infraestrutura modesta, com 60 mil m² e capacidade para apenas 20 mil carros ‘produzidos’ por ano.
Nada que se comparasse às unidades de uma Fiat ou General Motors, por exemplo, que atuam num mercado mais amplo. A exceção era a Audi, que aproveitou a fábrica de São José dos Pinhais da Volkswagen para reabrir a linha de montagem do A3, em conjunto com o Golf.
Mas era mais do que claro desde o princípio que essas iniciativas não tinham qualquer estofo comercial e por isso o anúncio do fechamento da fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis não surpreende. A unidade, dois galpões com cerca de 60 mil m² no interior de São Paulo, empregava apenas 370 funcionários e produziu muito pouco mesmo nos melhores momentos.
Fábricas de verdade
Marcas de luxo como as alemãs não investem numa fábrica fora da Europa por capricho. É preciso que o mercado em questão tenha enorme potencial, como a China, ou então seja um exportador nato como o México, que se beneficia de acordos tarifários com os EUA. Não é à toa que é lá que a própria Audi e a Kia investiram em parques fabris mais capazes.
O Brasil, embora com um mercado significativo, compra veículos simplórios e pequenos por conta do capricho da lei, como o incentivo ao motor 1.0 litro, por exemplo. Além de produzir distorções como SUVs compactos que são transformados de carros de entrada em outros países em modelos ‘premium’, essa política inviabiliza a exportação.
Caro e sem demanda nos países vizinhos, o automóvel brasileiro só tem surtos de exportação com o câmbio desvalorizado e olhe lá. Mesmo com o real na lona, a indústria automobilística nacional havia exportado apenas 271 mil veículos leves até novembro, contra 380 mil em 2019, ou 16% da produção total.
A crise causada pelo coronavírus foi a pá de cal num projeto artificial que causou mais problemas do que vantagens até 2017, quando foi encerrado. A suspensão da produção da Audi no Paraná em 2021 é o prenúncio do fim desse sonho maluco. Mesmo a BMW, que já acumula 7,7 mil unidades montadas em Santa Catarina, ainda está aquém do que se poderia esperar de uma fábrica nacional. Já a Jaguar Land Rover acumulava 1.500 veículos nacionais emplacados até o mês passado.
Enquanto isso, a Volvo, que chegou perto de anunciar uma fábrica no Brasil, deve fechar 2020 com recorde de vendas, superando as 7,5 mil unidades emplacadas. Todas elas importadas.