Dois em cada três sedãs médios vendidos no Brasil custam mais de 100 mil reais
Um dos segmentos mais importantes do mercado perde espaço na preferência do consumidor mas preços continuam subindo
Quer comprar um sedã médio por um preço em conta e bom pacote de equipamentos? Se depender do brasileiro a resposta é um sonoro “não”. Em um dos segmentos mais concorridos e modernos do mercado automobilístico prevalece a lógica do preço alto sem que isso tenha relação com tecnologia em alguns casos.
Hoje nada menos que dois terços (67% para sermos mais exatos) das vendas envolvem versões com preço sugerido na casa dos seis dígitos. Isso mesmo que você leu: são carros que custam mais de R$ 100 mil. Curiosamente, na prática existem atualmente cerca de 27 versões de sedãs médios disponíveis, metade delas abaixo desse valor.
Os modelos mais acessíveis hoje são o Kia Cerato (importado do México) e o Mitsubishi Lancer (fabricado no Brasil), que custam entre R$ 75 mil e R$ 80 mil, valor inferior a alguns sedãs compactos inclusive. Mas isso não faz deles sucessos de vendas. Pelo contrário: o carro coreano teve apenas 234 emplacamentos na soma de julho e agosto enquanto o japonês, 296 unidades. É menos de 10% do que vende a versão XEi do Corolla, o modelo mais bem sucedido da categoria e que custa assustadores R$ 106 mil.
De fato, o ticket médio dos sedãs médios estava em setembro na casa dos R$ 99 mil, número que subiu após a chegada do novo Jetta, que a Volkswagen passou a trazer também do México em duas versões com valores entre R$ 110 mil e R$ 120 mil.
Evolução natural
Sim, parte desse fenômeno psicológico da marca dos seis dígitos é algo esperado e natural, afinal a inflação persiste na grande maioria dos países, mas existe também uma tendência comum de os carros se tornarem mais sofisticados e maiores com o passar dos anos. Cada geração acaba subindo um degrau na evolução e isso afeta seus preços. Pegue-se o exemplo do Astra, modelo que nem existe mais no Brasil. Para quem não sabe ele é o herdeiro do Chevette, primeiro compacto da Chevrolet no país.
Difícil crer que aquele pequeno automóvel hoje não caiba mais no bolso do brasileiro – a GM acabou criando uma alternativa global para o projeto europeu, o Cruze -, mas é essa a lógica do mercado, inclusive na tese de que o carro precisa evoluir assim como seu proprietário. A solução nesses casos é inserir novos modelos na base para suprir a lacuna deixada pelo veículo em ascensão.
É o que explica o novo Jetta custar tanto. Mas nesse caso o pacote vem com motor turbo com injeção direta e alguns recursos eletrônicos de direção ativa que não existiam. O problema é quando o alto preço não encontra estofo no pacote oferecido pela montadora.
A própria Toyota vende duas versões do Corolla por preços salgados, o “esportivo” XRS e o Altis, que custam R$ 112 mil e R$ 119 mil, respectivamente. Mas mesmo equipados com um motor 2.0, por exemplo, eles emplacaram juntos 914 nos últimos dois meses. Já o Civic Touring, única versão a ter o motor 1.5 turbo com injeção direta na linha, vendeu mil unidades no mesmo período.
Sintomas da epidemia
A elevação dos preços entre os sedãs médios ocorre justamente na contramão da demanda. Seria esperado que eles ficassem mais caros se houvesse mais gente interessada, gerando aquele desequilíbrio que toda empresa ama de paixão – quando seu produto esgota e há fila de espera de gente disposta a desembolsar mais para ter o produto primeiro.
O problema é que a “epidemia dos SUVs” finalmente está atingindo os sedãs médios. Depois de abater minivans, peruas e hatches médios, a “gripe aventureira” começa a fazer vítimas entre os carros de três volumes, um tipo de veículo que resistiu bravamente por atrair um público mais tradicional.
No entanto, essa imunidade está acabando e o próprio Corolla, líder disparado, já não exibe a mesma musculatura do passado. Este ano o modelo da Toyota experimenta uma queda de 10% nas vendas comparado aos primeiros oito meses de 2017. E isso num cenário em que as vendas gerais crescem mais de 14%.
Se o líder está assim o que dizer dos carros figurantes? Marcas como Nissan, Ford e Citroën cobram caro por seus modelos mesmo sem ter vendas que justifiquem isso. A Renault, antes de desistir de emplacar o argentino Fluence por aqui, majorou seus preços de tal forma que passou a ser insano levar o sedã para casa.
Talvez o aspecto mais perverso desse panorama seja o fato de que os sedãs médios brasileiros não passam de carros pequenos e de entrada em outros mercados desenvolvidos. Um Cruze, por exemplo, pode ser adquirido nos Estados Unidos por cerca de US$ 18 mil ou R$ 75 mil.
É claro que se trata de um veículo sem certos equipamentos ou acabamento mais caprichado que o modelo recebe no Brasil. Também é importante lembrar que a variação da cotação do dólar distorce facilmente essa comparação mas uma coisa é impossível negar: o americano tem um média salarial muito superior a do brasileiro. Ou seja, para ele gastar R$ 75 mil num carro desse porte é algo corriqueiro enquanto pagar R$ 96 mil pelo Cruze LT no Brasil é uma epopeia, ainda mais se parte desse valor for financiada.
Ainda assim, os sedãs de médio porte no Brasil oferecem mais conteúdo em muitos casos se confrontados aos jipinhos, outra turma que anda flertando com frequência com a casa dos “seis dígitos”.