Civic Si de R$ 180 mil não vende no Brasil, mas sobram clientes para Porsche de R$ 1 milhão
Fim da importação do Honda Civic Si escancara uma realidade brasileira
Modelos com uma real vocação esportiva sempre animam os entusiastas de automóveis e ficamos felizes quando as montadoras oferecem esse tipo de veículo no mercado. Uma vez lançados, contudo, a história muda de figura.
O recente fim da importação do Honda Civic Si ao Brasil escancara uma situação peculiar que vivemos por aqui. Ou os brasileiros optam por modelos apenas com visual esportivo e alguns aprimoramentos, como o Renault Sandero R.S. e o Chevrolet Onix RS, por exemplo, ou veículos de performance mais elevada só fazem sucesso no país uma faixa de segmentação premium, com valores bem acima dos R$ 300 mil. O “meio-termo” nesse segmento de mercado parece ter acabado por aqui.
O caso do Civic Si é emblemático porque explica bem a situação. O modelo, que chegou a estrear melhorias por aqui no ano passado, contava com o apelo visual da carroceria cupê, o bom motor 1.5 turbo sob o capô e um elogiável câmbio manual de 6 marchas, algo raro hoje em dia. O preço na casa de R$ 180 mil, contudo, colocou o Civic Si no “limbo” que citamos mais acima. O mesmo pode ser dito do Volkswagen Golf GTI, que chegou a ser nacionalizado, mas também saiu de linha em conjunto com o fim da produção local do hatch médio.
Corroborando nossa tese, embalada pela estreia da nova geração do 911 no Brasil, a Porsche comemorou seu recorde em vendas no país em 2020. Ao longo do ano passado, exatas 768 unidades do modelo ganharam as ruas do país. Vale citar que estamos falando de um esportivo premium que supera facilmente R$ 1 milhão dependendo de sua configuração.
O Ford Mustang, por sua vez, também registrou uma boa procura, com 350 emplacamentos no país. Hoje em dia o modelo é comercializado apenas na versão Black Shadow com motor 5.0 V8 e preço sugerido de R$ 396.900. Logo depois do Mustang, adivinhem só, outro Porsche! O 718 Boxster somou 306 emplacamentos no Brasil no ano passado.
Com esses dados de Porsche 911, Porsche Boxster e Ford Mustang podemos constatar que existe sim um público com elevado poder aquisitivo e que tem interesse em esportivos, mas o que ocorre com os modelos "generalistas"?
A grande questão é que, se olharmos para mercados maduros como os EUA e Europa, modelos como o Honda Civic Si e o VW Golf GTI não são posicionados com um preço tão acima de suas versões convencionais, servindo como uma alternativa real a um consumidor que tem vontade de estar no comando de um automóvel mais envolvente na hora de dirigir. Na Alemanha, hoje um Golf R-Line com motor 1.5 TSI parte de 29.145 euros, enquanto o GTI é tabelado em 36.555 euros. Em 2019, ano em que saiu de linha no Brasil, o Golf GTI custava R$ 143 mil sem opcionais, enquanto o Highline 1.4 TSI gravitava em R$ 103 mil. Olhando para a gama Honda, atualmente o Civic Touring nacional, com carroceria sedã e o mesmo motor 1.5 turbo, porém adotando uma calibração mais branda, tem preço sugerido de R$ 149.400.
Aqui no Brasil, por apostar em uma imagem “premium” dessas versões, os preços de modelos como o Civic Si e o Golf GTI tornaram-se muito distantes da realidade de grande parte do público nacional.
Devemos levar em conta ainda o próprio perfil socioeconômico de nosso país, marcado por profundas disparidades entre ricos e pobres. Em regiões desenvolvidas, onde a classe média representa a maioria da população, os esportivos generalistas têm uma participação de mercado muito maior.
Não por acaso aqui no Brasil hatches compactos de entrada, como os já citados Sandero R.S. e Onix RS conseguem uma boa penetração junto ao público consumidor. Eles contam com diferenciais específicos em seus catálogos de apelo esportivo, em grande parte não indo além do visual, mas não chegam ao mercado com valores exorbitantes em comparação com a média do segmento.
Uma rara opção de esportivo nacional com uma receita que mostra-se coerente para o cenário atual é o Volkswagen Polo GTS. Sob seu capô figura o ótimo motor 1.4 TSI com 150 cv e a diferença de preço entre o Polo GTS (R$ 113.190) e o Highline 1.0 TSI (R$ 95.850) não é algo abissal, apesar de ainda representar uma cifra elevada. Outro ponto importante foi a decisão da VW de apostar no câmbio automático de 6 marchas para o Polo GTS, tipo de transmissão que domina a preferência do público hoje em dia e certamente permite que o modelo atinja um número maior de potenciais consumidores.
Talvez se as marcas de alto volume tivessem apostado em uma precificação competitiva para seus esportivos de médio porte, não deixando-os apenas como produtos de nicho no país, poderíamos ter preservado o “meio-termo” entre os compactos esportivados e os modelos premium de alto desempenho. Também se vivêssemos em um país menos desigual, quem sabe todo o potencial do segmento poderia ser explorado.