Consumo real vs. consumo oficial: por que nem sempre os valores são os mesmos?

Apuramos junto ao Inmetro e especialista da área as razões pelas quais as médias, em alguns casos, são tão discrepantes
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Combustível | Imagem: Agência Brasil

É fato que o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV), que se iniciou de forma voluntária em 2008, é uma excelente ferramenta para guiar os consumidores na escolha de veículos cada vez mais eficientes. Como muita gente já sabe, os fabricantes testam seus modelos seguindo normas específicas, declarando ao Inmetro os valores de consumo de cada combustível. Os modelos participantes são, então, comparados de "A" a "E" dentro de suas categorias.

Se você é dono de um automóvel moderno, ao adquirir o carro deve ter notado no para-brisa a etiqueta informando os consumos na cidade e na estrada, com etanol ou gasolina, e aqui começa uma polêmica: enquanto algumas pessoas atingem (ou até superam) as médias ali expressas, outras sequer chegam perto daqueles números. Com isso, é natural que alguns questionamentos sobre o assunto venham à tona.

Procurado pelo Autoo, o Inmetro, por meio de sua assessoria de imprensa, explicou que “todos os veículos são avaliados em relação à eficiência energética em laboratório, nas condições padrão para todos os automóveis. Os valores da etiqueta são obtidos em condições de laboratório, em ambiente com temperatura, qualidade do combustível e condições de direção padronizadas. Essa é a forma de poder comparar os desempenhos. O consumidor, no entanto, encontrará as variações decorrentes das diferentes situações de uso”.

O órgão também acrescenta que “fatores como a falta de manutenção, pneus descalibrados, direção agressiva com acelerações e frenagens bruscas, trânsito congestionado, velocidade elevada, combustível inapropriado, condições adversas da via ou excesso de peso, que influenciam a eficiência dos veículos, podem aumentar em mais de 20% o consumo de combustível declarado, levando à divergência nos resultados”.

Para entender o tema um pouco mais a fundo, o Autoo contou com a ajuda de Sandro Soares, profissional da Fiat Chrysler com vasta experiência na área de emissões e consumo. De acordo com Soares, os valores expressos no Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular contemplam a frequência e o padrão de uso médio dos motoristas no país.

“A maioria, de 70% a 80% dos usuários, consegue repetir os números exibidos na etiqueta de consumo. É claro que existem casos muito específicos, de pessoas que rodam muito pouco, por exemplo, aquele cenário em que o carro sequer atinge a temperatura de funcionamento ideal, aí dificilmente o número oficial será atingido. Tem algumas variações de uso que não são contempladas”, explica o engenheiro.

“O ciclo para medição de carros flex está bem acertado, mas as tecnologias que os carros nacionais estão recebendo, como start-stop, alternadores inteligentes, sistemas de desativação de cilindros, entre outras, com certeza perturbam a mediana dos resultados de consumo. Nada é perene, nós temos que estar atentos e, se os valores começarem a se descolar da realidade e o fator de correção começar a atender menos pessoas, então será necessário rever algumas coisas”, acrescenta o gerente de engenharia da FCA.

Na mesma linha da argumentação do Inmetro, Soares realça a importância de manter o carro sempre com as revisões em dia, bem como de permanecer atento com o estilo de condução, se a sua ideia é parar menos no posto de combustível e ajudar na preservação do meio-ambiente. “Se pegarmos o mesmo modelo de automóvel, um com a manutenção em dia e outro sem muito cuidado, e atrelado a isso colocarmos motoristas com estilo de direção diferentes, um mais agressivo e outro mais controlado, chegamos a registrar em variações de até 50% nos testes de consumo”.

Aqui no Brasil, quem dita as regras para esse tipo de medição nos automóveis é uma norma da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) chamada NBR 7024, que foi desenvolvida tomando como base o padrão FTP 75 adotado nos EUA. Apenas como curiosidade, os vizinhos da Argentina utilizam como referência o ciclo europeu na hora de homologar o consumo e emissões dos automóveis comercializados por lá, assim como o Chile. No México, por exemplo, é possível facultar entre um ciclo ou outro, ficando a escolha a cargo da fabricante.

De acordo com o especialista ouvido pelo Autoo, essa padronização nos testes de consumo e emissões é importante quando se pensa em escala global. “Se você troca o ciclo por algum padrão que não tem relação com nenhum outro país, você teria um complicador para exportar esse carro. É necessário ter uma correlação entre os ciclos. No Brasil, a qualidade do ar, bem como as fases do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), são determinadas pelo que é constatado na metrópole de São Paulo. Se o ciclo FTP 75 ainda está permitindo que se note ganhos na qualidade do ar na região em questão e ainda permite uma evolução, não há necessidade de mudar esse ciclo, uma vez que você pode perder toda a parametrização acumulada ao longo dos anos”.

Para quem questiona o fato dos ensaios para os testes de consumo ocorrerem apenas em laboratório, Soares explica que as provas são bem complexas e levam diversos aspectos em consideração. “Antes de colocar o carro no dinamômetro em um laboratório de emissões, você precisa obrigatoriamente medir a força resistiva desse carro na estrada. Para isso existe uma outra norma da ABNT, a NBR 10312. Com esses dados, assim que as rodas do carro são apoiadas nele, o dinamômetro é capaz de aplicar uma força contrária ao seu movimento exatamente igual ao que foi medido fisicamente nas ruas. É aí que tecnologias como pneus de baixo atrito, rolamentos de última geração com menor resistência, freios de pouco torque residual, além de melhorias aerodinâmicas são levados em conta na aferição dos números de consumo e emissões”.

Para aproximar ainda mais as médias de consumo com etanol ou gasolina que um carro efetivamente vai alcançar em um cenário fora dos laboratórios, existe um fator de correção. “Esses valores são corrigidos, já que o consumo de homologação tem algumas particularidades. Não se faz o consumo em laboratório, por exemplo, com o ar-condicionado do carro ligado. Aqui no Brasil, nós adotamos a mesma norma de correção dos EUA adaptada para nossa realidade, até pelo fato de contarmos com dois combustíveis, e ela corrige os valores aferidos em laboratório da ordem de 25% a 27% para baixo”, destaca o engenheiro da FCA.

Mesmo assim, o Inmetro já se mostra aberto para realizar algumas revisões sobre esse item, em especial para veículos diesel participantes do PBEV. “Hoje estamos em contato com o Inmetro, uma vez que achamos que existe uma correção muito agressiva, muito conservadora, para modelos com esse tipo de propulsor. Eu concordo e acho que o número poderia ficar um pouco acima do que figura hoje na etiqueta veicular. Como também não temos uma frota de veículos diesel muito grande no Brasil, em razão de nossa legislação, a massa de dados ainda é pequena. Assim que ela for expandida, o fator de correção poderá ser revisto pelas autoridades”, explica Soares.

No caso de carros com start-stop, recurso que desliga o motor quando o carro encontra-se parado, o número que vai para a etiqueta contempla o sistema em funcionamento, porém o governo exige que o veículo fique dentro dos limites de emissões tanto com o start-stop acionado como desligado. O carro precisa atender às normas de emissões do Proconve em qualquer um de seus modos de condução, caso contrário ele sequer pode ser comercializado no Brasil.

Regra semelhante também vale para carros com distintos modos de condução. O que está refletido na etiqueta do PBEV é o consumo do carro no modo mais econômico. “Mas vale uma ressalva importante: se não ocorrer um efeito memória, ou seja, você desliga o carro e quando torna a ligá-lo ele não segue no modo econômico, você não pode homologar o consumo nessa função. No Brasil, é exigido pelos agentes que o consumo que vai para a etiqueta seja o default, ou seja, aquele padrão adotado pelo carro. Outro ponto é que mesmo o consumo e as emissões nos modos mais esportivos também são avaliados e repassados para as autoridades, uma vez que o carro precisa cumprir com as normas em qualquer modo de funcionamento”, alerta o gerente de engenharia da FCA.

Para a próxima década estão previstos avanços importantes na área de controle de emissões veiculares no Brasil. A partir do Proconve L7, que começa a vigorar em 1º de janeiro de 2022, as montadoras também serão cobradas pelos testes em RDE (Real Driving Emissions), que já ocorre na Europa e avalia as emissões e o consumo com o carro nas ruas. No caso do Proconve L7, o RDE será uma fase de monitoramento, sendo que a regulamentação dessa avaliação no Brasil está prevista para o Proconve L8 a partir de 2025.

“A qualidade do ar no Brasil atualmente está sendo mantida e até melhorando. Do Proconve L6 para o L7 teremos metas mais restritivas. As normas de emissões evaporativas ficarão mais exigentes, por exemplo. Além de mudar o limite, que cairá para menos da metade, muda o método também. Ao invés de uma exposição de duas horas, agora ela passa para 48 horas. Com isso, o cânister ficará maior, o catalisador vai crescer bastante e ganhar tecnologias melhores, assim como os tanques de combustível passarão a contar com técnicas antievaporativas mais robustas e com o bocal todo refeito, entre outros avanços”, finaliza Sandro Soares, da Fiat Chrysler. 

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