Ricardo Meier

Comenta o mercado de vendas de automóveis e tendências sustentáveis

Como a Peugeot pode acabar com a marca Opel

Revelado nesta semana, novo Corsa sintetiza a desconstrução da marca alemã ao usar a base do Peugeot 208

É fã dos carros da Opel que aqui foram vendidos como Chevrolet? Então é bom começar a lamentar seu fim. O grupo francês PSA (Peugeot-Citroën), que comprou a montadora alemã e seu braço britânico Vauxall em 2017 das mãos da General Motors, está empreendendo uma bem-sucedida estratégia de desconstrução da marca ao transformar seus produtos mais conhecidos em versões de modelos como o 2008, 3008 e 208 travestidos com a logomarca da Opel.

O exemplo mais recente foi revelado nesta semana, o novo “Corsa”. Sim, um dos carros mais ícônicos da Opel, agora é um Peugeot 208 com carinha da marca alemã. Antes disso, a PSA já havia introduzido o Crossland X (um 2008) e o Grandland X (o SUV 3008) como primeiros produtos da nova administração.

Mas o Corsa 2020 é sintomático por ser o primeiro produto desenvolvido em conjunto com um automóvel da Peugeot, que utilizou a plataforma EMP2 para criar ambos. Até aí nenhuma surpresa afinal a ideia de ter várias marcas sob um mesmo chapéu é justamente otimizar recursos de desenvolvimento, coisa que todas as montadoras do mundo fazem.

O problema, no caso da Opel, é que a marca alemã tem sido mais bem sucedida no mercado europeu do que Peugeot e Citroën. É o velho ditado do rabo que abana o cachorro. Embora tivesse dado prejuízo à GM nos últimos 15 anos, a Opel era uma montadora com alma própria cujo centro de desenvolvimento em Ruesselsheim, na Alemanha, foi responsável por automóveis modernos e bem sucedidos. Ao assumir a empresa, a PSA praticamente acabou com a engenharia alemã ao transferir parte dos funcionários para uma empresa terceirizada enquanto a outra parte foi demitida. Hoje o centro tem como uma das poucas atribuições desenvolver um motor de 4 cilindros.

 

Opel Corsa 2020
Painel do Corsa 2020: parece Opel mas é Peugeot
Imagem:

 

Ou seja, os carros da Opel que aqui conhecemos tão bem como o Astra, Zafira, Meriva e o próprio Corsa estão desaparecendo. O Astra, aliás, só sobrevive porque a atual geração foi lançada pouco antes da venda da Opel, mas será substituído por uma arquitetura francesa em 2021.

Arrogância não fez bem às fusões

O que chama a atenção no caso da compra da Opel pela PSA é que a operação alemã dava seguidos prejuízos por ser ineficiente, mas não ruim de vendas. Mesmo longe do patamar de 20 anos atrás, quando chegava a emplacar 1,6 milhão de veículos na Europa, a Opel e a Vauxhall ainda respondem por quase 1 milhão de unidades vendidas no continente. Até antes de ser assumida pelos franceses, as duas marcas vendiam mais que a Peugeot, mas desde então essa situação se inverteu.

Obviamente, a situação da Opel era grave quando a PSA a assumiu e isso certamente exigiria medidas para torná-la eficiente, mas após o primeiro ano sob controle francês a montadora já gerou lucros, um sinal claro que o problema não estava ligado à qualidade de seus produtos. Pelo contrário, a GM sempre utilizou a subsidiária em seus projetos globais, porém, decidiu limitá-la à Europa a fim de evitar uma concorrência com a Chevrolet.

 

Opel Crossland X 2019
O SUV Crossland, um Peugeot 2008 com cara de Opel
Imagem: Divulgação

 

Já a atitude da PSA, embora positiva num primeiro momento, pode ser perigosa a longo prazo. O grupo francês de fato precisava mudar o portfólio da Opel o quanto antes já que modelos como o Astra ou o subcompacto Adam, mesmo desenvolvidos na Alemanha, pagam royalties à fabricante norte-americana. O problema é ter ignorado a capacidade da Opel em fabricar carros de qualidade.

Em vez disso, a PSA tem usado o mesmo expediente danoso que outras empresas tentaram sem sucesso, o de ignorar a personalidade única de cada marca. Ao “peugeotizar” os produtos da Opel joga-se no lixo justamente seu diferencial. A Ford fez algo semelhante quando tentou criar um grupo de marcas premium que reunia Aston Martin, Jaguar, Land Rover e Volvo. A montadora americana teve a cara de pau de lançar um sedan, o X-Type, usando a base do Mondeo e ignorando o que tornava o Jaguar um carro admirado no Reino Unido. A Daimler cometeu o mesmo equívoco ao assumir a Chrysler e tentar impor sua cultura na tradicional montadora dos EUA. Deu no que deu.

O exemplo chino-indiano

Há bons exemplos de união que trouxeram frutos para ambos os lados, está aí a Renault e a Nissan para provarem isso. Embora a montadora francesa seja a líder no grupo é a marca japonesa que tem presença global, um sinal de bom senso na parceria. A Fiat também entendeu seu papel coadjuvante na fusão com a Chrysler ao escolher a Jeep como marca mundial.

Mas sãos os chineses e indianos que têm dado uma lição de respeito à “alma” de cada marca. A Geely assumiu a Volvo da Ford e a transformou numa marca de prestígio como nunca havia acontecido. A marca sueca deixou de ser uma referência apenas de segurança ou de carro familiar para se tornar uma empresa de ponta. E quase ninguém sabe que ela pertence a um grupo chinês.

 

Jaguar X-Type 2008
A Ford achou por bem criar um Jaguar com a base do Mondeo: deu no que deu
Imagem: Divulgação

 

Já os indianos da Tata, que compraram a Jaguar e a Land Rover, entenderam que as duas marcas poderiam compartilhar sua estrutura afinal eram ícones britânicos, mas preservando seus diferenciais. Ao dar autonomia à operação no Reino Unido, a Tata foi humilde em entender que elas só precisavam ser levadas a sério, diferentemente dos tempos da Ford.

Presença em queda no mundo

Chama a atenção no caso da PSA o fato de que suas marcas originais estão perdendo espaço no mercado global. Em 2018, foram 12% a menos ou 2,9 milhões de unidades. Na África e Oriente Médio, o grupo viu suas vendas caírem 53% no ano passado, e na China, 32%, com apenas 262 mil emplacamentos – contra 700 mil nos bons tempos.

Até a América Latina, tradicional consumidor de seus produtos, as vendas caíram 15% puxadas pela crise econômica argentina. Mas o Brasil “fez sua parte” no estrago ao vender 5,5 mil carros a menos que em 2017: apenas 44 mil emplacamentos somando Peugeot e Citroën ou praticamente o mesmo que um Onix vende em dois meses.

Ironicamente, os produtos da Opel possuíam uma aceitação muito grande no Brasil e certamente é uma marca que tem admiradores em várias partes do mundo. A PSA pode até pensar em tornar a Opel global ou ao menos presente em outros mercados, mas é triste constatar que os produtos que esses consumidores terão contato nada têm a ver com o que tornou a Opel uma marca importante na história.

 

A segunda geração do Opel Corsa: projeto fez sucesso em vários países incluindo o Brasil
A segunda geração do Opel Corsa: projeto fez sucesso em vários países incluindo o Brasil
Imagem: Divulgação

 

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