Escanteado pela Ford, Brasil compra o dobro de Ranger do que Argentina
Picape continua sendo fabricada no país vizinho, que foi agraciado com investimentos de R$ 580 milhões para produzir sua nova geração
O Brasil vive uma situação inusitada: é ainda um dos maiores mercados automobilísticos do mundo, mas passa por um processo de desindustrialização motivado por uma série de fatores, entre eles a crise econômica (e consequente desvalorização do real), burocracia e custos de produção elevados além de impostos pesados.
Mesmo ainda sendo capaz de consumir cerca de 2 milhões veículos novos por ano, o país viu a Ford abandonar o segmento de entrada ao fechar abruptamente suas fábricas no Brasil em janeiro. Mas enquanto chutava nosso mercado para escanteio, a montadora norte-americana despejou R$ 580 milhões na fábrica de Pacheco, na Argentina, para produzir a nova geração da picape Ranger.
Talvez a manobra fizesse sentido se o mercado argentino fosse ávido consumidor dos produtos da marca, mas não é. A Ranger, embora produzida no vizinho há muitos anos, encontra no Brasil seu maior público consumidor.
Em 2019 e 2020, o brasileiro comprou praticamente o dobro de picapes da Ford que o argentino. Foram 22,2 mil unidades emplacadas aqui contra apenas 11,6 mil no vizinho em 2019. No ano passado, a divisão ficou favorável ao Brasil novamente: 19,8 mil contra 11,3 mil, mesmo com toda a crise causada pela pandemia.
Em outras palavras, o Brasil sustenta a operação na Argentina que certamente não seria viável caso nosso mercado fechasse as portas para a picape. O Mercosul, no entanto, cria as condições para que nosso parceiro comercial não só produza a Ranger, mas também outras picapes como Amarok, Hilux e Frontier e automóveis como o Cronos e o Peugeot 208, este que mudou de lado na nova geração.
Destes modelos citados, o sedã da Fiat e a picape da VW têm oscilado na gangorra, com mais vendas de um lado e de outro, dependendo do ano. A Hilux e a Frontier, por sua vez, têm um desempenho parecido com a Ranger, amplamente favorável ao Brasil.
A exceção na lista é justamente o 208, um hatch compacto que teve sua primeira geração fabricada em Porto Real, onde também tivemos o 206 e o 207 brasileiro (reestilização do primeiro). Apesar da tradição desse mercado no Brasil, a Peugeot já vinha se dando melhor na Argentina, onde o 208 chegou a vender quatro vezes mais que por aqui em 2019.
Futuro incerto
A despeito de a balança pender para o Brasil por conta do seu mercado consumidor muito maior, para Volkswagen, Toyota, Nissan e Stellantis (dona da Fiat e Peugeot) há a justificativa de amplos investimentos em unidades em nosso país. Trata-se de uma troca justa já que a Argentina também consome veículos brasileiros em quantidade significativa.
Para a Ford, no entanto, a decisão de abandonar quase toda a sua atividade produtiva no Brasil pode cobrar caro a curto prazo. O choque causado no consumidor, na rede de concessionárias, trabalhadores e fornecedores tem se refletido numa queda assustadora nas vendas e que pode afetar modelos que seguem sendo produzidos e oferecidos, como o SUV Territory e a própria Ranger.
A picape começou 2021 com um bom número de emplacamentos (1931) em janeiro, mas neste mês mal passou de mil unidades enquanto o SUV chinês beira 100 carros vendidos.
Para tornar a situação ainda mais incerta, o fim da produção do EcoSport e do Ka também se reflete na Argentina, onde os dois eram vendidos. A Ford pode até importar esses modelos de outros países, como cogita fazer em relação ao SUV mas é pouco provável que eles voltem a vender o mesmo volume do passado, por conta da maior facilidade logística trazida pelo Mercosul.
Resta saber se o encolhimento natural da rede concessionárias e o portfólio enxuto não acabarão dificultando as vendas de veículos lucrativos da montadora, incluindo aí a nova Ranger.
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