As meias verdades da indústria automobilística brasileira
De carros pseudo-líderes a veículos de projeto antigo que se passam por novos, conheça algumas histórias mal contadas pelas montadoras
No ano passado, a Hyundai proclamou a vitória do Creta como o SUV compacto mais vendido do Brasil, batendo o então líder absoluto HR-V. Muita gente acreditou na história, mas poucos souberam que essa marca foi obtida graças a um belo empurrão das vendas da versão PCD do modelo.
Como dissemos na época, números verdadeiros, sim, mas como se o Creta usasse anabolizantes afinal o rival da Honda não tem uma versão semelhante e não se beneficia do imenso desconto dados às pessoas com deficiência.
Meias verdades como essa são comuns na indústria automobilística há anos, uma forma de tentar emplacar uma boa impressão no público. Com isso, muitas vezes vemos mais de uma marca pleitear algum recorde ou posição, conforme o ângulo usado. Desleal? Muito provavelmente, mas parte do jogo e nesse caso acredita quem quer, por isso vale questionar certas afirmações que você ouve por aí.
Analiso a seguir alguns casos conhecidos do mercado. Confira:
“A montadora líder do Brasil”
Basta você olhar em nossa página do ranking de vendas para saber que a Chevrolet é a líder do mercado brasileiro desde 2016. Este ano o feito se repete, porém, há quem discorde, o grupo FCA. A dona da Fiat e da Chrysler, espertamente, se considera a líder do mercado este ano, afinal ao se juntar suas marcas (Fiat e Jeep além de algumas dezenas vindas de outros nomes) ela está à frente da GM que só depende da Chevrolet.
Alguém está mentindo? Na prática, não, mas afinal qual fato é mais relevante? Para o consumidor, sim, a Chevrolet é a marca mais vendida (embora usando de artifícios que serão citados mais à frente), porém, a FCA pode se considerar a mais vitoriosa já que vende carros de valor agregado mais alto graças à Jeep. E dinheiro no bolso é tudo nesse caso.
“Quem vende mais SUVs compactos no país”
Como dissemos no começo do texto, a Hyundai comemorou o 1º lugar no ranking de SUVs compactos no ano passado. No entanto, quem deveria celebrar era a Renault, acredite. Se formos analisar apenas os números, a montadora francesa bateu suas concorrentes com 50.087 unidades emplacadas nessa categoria. Mas qual a mágica? Simples, ela é a única a ter dois produtos no segmento, o Captur e o Duster. Se separados eles se posicionaram no meio do pelotão, juntos bateram o Creta, fato.
“Sucesso de vendas em 2019”
Ainda na categoria de jipinhos, este ano a Jeep anda toda pomposa afirmando que o Renegade é o mais vendido da categoria graças aos seus atributos e ao fato de ter recebido melhorias no ano passado. Novamente, estamos diante de um fato aparentemente incontestável, mas impressiona que a marca abuse das vendas diretas como nenhuma outra concorrente.
Em março, por exemplo, o Renegade foi o 2º modelo mais vendido de forma direta, ou seja, para frotistas, empresas ou mesmo para PCD e taxistas, entre outros. Foram 4.839 unidades, mais até do que o Gol, um famoso carro desse mercado. Já no varejo, quando o cliente vai à concessionária comprar seu veículo, o Jeep foi apenas o 23º mais vendido, atrás do HR-V, Kicks, Creta e até do irmão mais caro, o Compass. É, o champanhe da Jeep estava quente...
“Nosso novo (velho) lançamento!”
Não, as marcas não se resumem a “dourar a pílula” apenas com a lista dos mais vendidos. Mesmo na hora de lançar um produto novo em um mercado muitas vezes estamos vendo a estreia de um velho conhecido em outros países.
Um caso recente é o do Yaris, o compacto que a Toyota lançou no Brasil em 2018. Embora tenha tido uma boa e provavelmente justa recepção, o modelo é um carro já antigo em outros mercados. A 3ª geração em questão, também conhecida como XP150, apareceu pela primeira vez na Ásia em 2013. Isso mesmo que você leu, há cinco anos.
Outros ‘velhinhos’ remoçados que temos por aqui são o C4 Cactus e o Creta. O Citroën já é vendido na Europa desde 2014, mas só desembarcou por aqui no ano passado, ao menos com seu facelift. O que não tira dele um certo ar de produto que ganhou apenas embalagem nova.
Já o Creta demorou um pouco menos para ser vendido no Brasil: surgiu em 2014, mas a Hyundai deu preferência para a China, Índia e Rússia antes de resolver lançá-lo por aqui. Chama a atenção o fato de suas linhas retas diferirem de um produto realmente novo da marca como o New Tucson.
“O preferido do público”
Se há um número que precisa ser olhado com cuidado é o de emplacamentos. Houve época em que marcas consideravam venda o fato de faturar o veículo para suas concessionárias e assim tínhamos números bombados. Depois algumas marcas criaram o hábito de emplacar seus carros antes de vendê-los para inflar as vendas, algo que parece persistir, mas que é extremamente danoso para seus bolsos.
Ultimamente o que se vê é um movimento de crescimento nas vendas diretas que acaba distorcendo o resultado final. Com isso, modelos aparecem nas primeiras posições mas por conta de vendas em lotes imensos ou de versões dependentes do público PCD. O líder Onix, por exemplo, é um dos que mais usa desse artíficio: este ano já foram 22 mil unidades no atacado contra 33 mil no varejo. No HB20, vice-líder, esses números são bem mais modestos, com 4,6 mil carros no atacado e 20 mil no varejo.
Ou seja, o Onix é líder incontestável mas a goleada vista nos dados somados esconde uma realidade em que a Chevrolet certamente lucra menos se tanto para obter esse resultado.
“Carro nacional, mas nem tanto”
Eis aí uma balela que há muito tempo se ouve. Com a globalização da produção de veículos, afirmar que um carro é nacional soa como piada afinal são raros os modelos cujo índice de nacionalização seja de 100% se é que existem. É uma questão logística e por isso não deveria servir de mote publicitário nunca. Vários bons automóveis brasileiros estão cheios de equipamentos importados como transmissões automáticas, ainda não tão comuns na indústria “nacional”.
Mesmo assim, as marcas que instalaram “fábricas” no Brasil com o advento do programa Inovar Auto e disseram “produzir” veículos aqui realmente exageraram na dose. Ou você acredita que um BMW X3 montado em Santa Catarina é um produto genuinamente nacional?
“As montadoras nacionais”
E por falar em “nacionalismo” esta aí uma das mentiras mais antigas que persistem no Brasil. As “montadoras nacionais” para muita gente são Volkswagen, Chevrolet, Ford e Fiat. Fabricantes mais antigos instalados e ativos no país, eles já estão tão fixados na mente do brasileiro que parecem ter perdido o vínculo com suas origens alemã, norte-americana e italiana.
De brasileiras, elas não têm nada: são multinacionais como Sony, Nestlé ou Apple e têm como objetivo natural enviar dinheiro para suas matrizes. Há mal nisso? Claro que não, afinal faz parte do capitalismo, mas alimentar a ideia de que elas são algum tipo de orgulho nacional é viajar na maionese. Basta que o mercado se torne insustentável para que essas multinacionais deixem o país, vide a decisão da Ford de fechar sua fábrica no ABC Paulista. Azar de quem achou que existia algum comprometimento com o Brasil.
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