Afinal, quando eu devo trocar de carro?
O Autoo procurou especialistas para tirar a dúvida que afeta muita gente
Nas conversas de bar ou naquele churrasco de família, não faltam teorias para responder à dúvida que deu origem a essa reportagem. Existem aqueles que são mais exibicionistas e gostam de trocar de carro a cada ano, assim como vira e mexe nos deparamos com máximas do tipo “carro pra mim tem que trocar quando os pneus estão ficando carecas”. Você mesmo já deve ter ouvido várias teorias...
Antes de tudo, podemos começar nossa investigação com uma dúvida que parece até meio óbvia: existe prazo de validade para carro? “Esse conceito de obsolescência planejada até existiu no fim da década de 70 e começo dos anos 80, mas hoje, com a ampliação dos prazos de garantia para três ou até cinco anos, isso não existe mais. Os carros modernos são muito bons em confiabilidade e durabilidade. Com exceção dos itens consumíveis, como óleo, pneus, pastilhas, dentre outros, os demais componentes de um carro não contam com um prazo de validade determinado”, explica Francisco Satkunas, conselheiro da SAE Brasil.
“Os materiais melhoraram muito. Processos, como pintura e proteção de chapa, também avançaram bastante e hoje você praticamente já não ouve mais falar em corrosão, por exemplo. Com isso, os carros estão durando muito mais do que há duas décadas”, acrescenta o engenheiro.
Uma realidade que devemos levar em conta, e pode até criar uma certa necessidade em trocar de carro, são os recentes avanços que os automóveis mais modernos entregam em termos de conectividade, eficiência energética e segurança.
Alguns países até forçam uma renovação de frota. Satkunas relembra de sua experiência no Japão: “o imposto para um carro novo lá é baixo, depois de um ano ele sobe mais, até que após cinco anos fica tão caro pagar os tributos, que é mais vantajoso você partir para um carro novo”. Não é raro outros países adotarem medidas desse tipo para fazer com que modelos cada vez mais modernos – e consequentemente menos poluentes – dominem o cenário das ruas e colaborem com a qualidade do ar.
Aqui no Brasil, onde nunca tivemos um programa concreto de fiscalização e renovação de frota, prevalecem muito mais as experiências empíricas de cada consumidor. “A regra por aqui segue a lógica de mercado: o cliente tem dinheiro, ele vai trocar de carro. Podemos dizer que os consumidores de automóveis convencionais trocam de carro entre três e cinco anos. Para o segmento dos carros de luxo, com consumidores de maior renda, esse prazo gira em torno de um a dois anos, já que eles preferem ficar com um carro mais novo”, revela Paulo Cardamone, sócio da Bright Consulting e especialista no setor de planejamento estratégico e marketing automotivo.
A inspeção veicular obrigatória, que deverá estar definida no Brasil a partir do próximo ano, será um bom instrumento para uma substituição mais acelerada dos veículos em nosso país. “Na Europa você pode encontrar automóveis com 7 a 10 anos rodando, mas eles reciclam cerca de 2% da frota todo ano. Falando de uma maneira geral, a idade média de um carro na Europa atualmente fica em torno de 5 a 6 anos e na casa de 8 a 9 anos no Brasil”, elucida Cardamone.
Ainda para o especialista, é interessante colocarmos nessa conta o avanço dos serviços de mobilidade sob demanda, que já faz o público mais jovem repensar a necessidade – e o desejo – de possuir um automóvel. “Principalmente nos grandes centros urbanos, onde você já tem uma oferta de serviços de transporte avançado, já ocorreu uma migração para o uso de tecnologias como a Uber. Para as pessoas na faixa de 50, 60 anos, o impacto será pequeno, uma vez que tendem a ficar com o carro por mais tempo, já que, em regra, utilizam pouco o veículo. Hoje, a faixa etária em que mais ocorre a troca de automóveis vai dos 25, 30 até os 50 anos”.
Mas e no bolso? Como saber a hora certa para trocar de carro?
A escolha de um novo carro envolve uma boa dose de paixão, realização pessoal e status. Do ponto de vista financeiro, contudo, um automóvel não passa de um bem de consumo, com um custo de propriedade elevado. Há muito tempo ele deixou de ser um investimento, como algumas pessoas enxergavam.
“É sempre bom você levar em conta o seu padrão de vida. Por exemplo, não dá para você manter um carro de R$ 50.000 ganhando R$ 3.000 ao mês. A conta não fecha. Principalmente se essa pessoa tem família. A manutenção de um carro implica em um custo de 2% do valor do automóvel todos os meses”, revela Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros.
Um fator importante trazido por Domingos, e que deve ser levado em consideração para desvendarmos o momento ideal para a troca do carro, diz respeito ao fim do prazo de garantia. “Quanto mais você fica com um carro após o término da garantia, mais ele começará a pedir manutenções onerosas. Será necessário, ao longo dos anos, trocar os pneus, amortecedores, etc. Uma série de coisas que não são baratas. Com isso, em carros de 5 a 10 anos, o percentual que você gasta com manutenção vai praticamente dobrar, alcançando algo em torno de 4% ao mês”, analisa o doutor em edução financeira.
Sabendo da maior durabilidade dos carros hoje em dia, como nos explicou o engenheiro Satkunas, Domingos também pondera que devemos levar em consideração o estado geral do carro que você possui hoje. É interessante você se perguntar se o seu automóvel atende as necessidades de seu uso específico, se ele transporta sua família com conforto, se é possível acomodar as bagagens com tranquilidade, dentre outras questões. Só então você deve pensar ou não em trocar de carro.
Claro que também é preciso colocar na balança se o carro está apresentando muitos problemas, ou se os gastos estão ficando altos demais. Na mesma medida, você também pode ter um carro impecável e robusto na garagem, sem retrospecto de falhas graves mesmo após cinco anos de uso, sendo assim talvez seja mais vantajoso mantê-lo.
Dica importante: poupe para trocar
Atualmente um carro novo ao sair da concessionária automaticamente já perde 10% de seu valor, percentual que também se repete a cada ano dependendo da marca e do modelo escolhido. Só no primeiro ano de uso, estamos falando de uma depreciação que pode superar 20% do valor pago.
Tendo isso em mente, uma dica valiosa fornecida por Domingos é realizar uma reserva financeira, e só então pensar em substituir seu veículo. “Se você comprar um carro hoje, o ideal é que você destine 10% do valor atualizado do carro todo ano para uma reserva financeira. Com isso, ao longo de quatro a cinco anos, você consegue comprar um carro novo na mesma faixa de valor. Creio que esse seria o tempo ideal para você trocar de carro, sempre pensando em um tempo perto da garantia. Se ela for de cinco anos, melhor. Antes desse período, não acho interessante a troca, já que o carro ainda está novo”. “Lembrando que a pessoa só deve trocar de carro com sua reserva preparada, evitando ao máximo o financiamento”.
Apesar da pergunta parecer simples, determinar o momento certo para trocar de carro é algo intrincado. Achar esse timing envolve não só critérios técnicos e financeiros, mas em especial um grande exercício subjetivo em que você vai misturar todos os conselhos apresentados até aqui pelos especialistas. A busca, de qualquer maneira, é uma só: que você esteja a bordo de um carro que lhe renda somente bons momentos ao volante.